IPCA
0,83 Abr.2024
Topo

José Paulo Kupfer

BC demorou no corte de juros e agora corre para ajudar a criar empregos

José Paulo Kupfer

30/07/2019 04h00

O Banco Central dá início, nesta quarta-feira (31), a um novo ciclo de cortes na taxa básica de juros (taxa Selic). Pelo menos, esta é a expectativa da quase totalidade dos analistas do mercado financeiro. A divergência ainda existente é se a redução será de 0,25 ponto porcentual ou de 0,5 ponto, com os juros básicos recuando para 6,25% ou 6%. A taxa anual permanece em 6,5% nominais há um ano e cinco meses, imóvel desde março de 2018.

De acordo com a visão de um expressivo número de especialistas, será uma corrida para tirar atrasos no ajuste da política de juros. O BC esperou a aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno enquanto a inflação permanecia no chão e a economia consolidava um longo estado de quase recessão. Com isso, colaborou para o engessamento em níveis alarmantes do desemprego e, principalmente, do subemprego. Nesse sentido, a demora em agir pode, de fato, ter sido um erro.

Estimativas mais conservadoras indicam que o ciclo de corte dos juros até o fim do ano comportará quatro reduções de 0,25 ponto, fazendo a taxa encolher para 5,5%. São, porém, cada vez mais frequentes avaliações de que a Selic encerrará 2019 no nível de 5%, e já começam a aparecer previsões de que a queda irá até 4,75%. A inflexão para baixo da curva de juros futuros dá uma certa sustentação à posição mais agressiva.

Essa visão de que vem aí uma correria para cortar os juros básicos foi mais recentemente reforçada pela perspectiva de afrouxamento na política monetária a cargo dos bancos centrais da zona do Euro e dos Estados Unidos. Na semana passada, o Banco Central Europeu manteve os juros inalterados, mas acenou com cortes à frente. O Federal Reserve americano tem decisão de juros também nesta quarta-feira, e as indicações são de que seguirá a linha adotada pelos europeus.

Têm sido crescentes as pressões para que a política de juros assumisse algum protagonismo nos esforços de recuperação da atividade econômica. Tais pressões derivam das restrições ao uso da política fiscal para impulsionar a economia, resultado dos grandes déficits nas contas públicas e de sua expressão numa dívida pública em rota explosiva.

Se é verdade que o manejo dos juros básicos tem influência na atividade econômica, também é certo que seus impactos numa etapa de retomada da economia são limitados. Tanto isso é verdade que, mesmo com ampla faixa de juros negativos, na Europa e no Japão, a atividade econômica não tem exibido sustentação.

No Brasil, distorções no mercado de crédito retiram potência dos cortes de juros básicos como motores da recuperação. A inadimplência, menor, mas ainda alta, é um fator apontado para a redução da oferta de dinheiro e seu custo elevado para quem busca financiamentos. Mas o maior problema dos juros altos na ponta de quem faz os empréstimos tem outra origem e vem da forte concentração dos recursos financeiros em poucas instituições.

Prova disso é que, mesmo com a economia praticamente estagnada e menor inadimplência, de maio para junho o custo dos empréstimos subiu. No cheque especial e no rotativo dos cartões de crédito, os juros, já acima de 320% ao ano, conseguiram a façanha de escalar em torno de 2 pontos porcentuais.

Reflexo dessa anomalia aparece no estoque de crédito em relação ao PIB. Este indicador mantém-se inalterado há tempos, em nível inferior ao equivalente a 50% do PIB, abaixo mesmo das economias emergentes comparáveis com a brasileira. Volume nanico de crédito é parte e indicação de economia fraca, com desemprego alto, ampla ociosidade e insuficiência de demanda.

Com todo esse ambiente menos propício a uma ação mais efetiva da política de juros, não há dúvida a respeito da contribuição de um ciclo de juros básicos mais baixos para a retomada econômica. Para começar, aliviaria o custo da dívida pública, ajudando na redução das restrições ao gasto público, uma fonte clara de impulso.

Muito mais do que isso, juros mais baixos sinalizam melhores condições para redução do endividamento, tanto de empresas quanto de pessoas, abrindo espaço para novas rodadas de procura por crédito. No circuito econômico, isso significa mais recursos para a atividade econômica.

Não é possível medir com números exatos quanto um atraso na política de cortes dos juros deixa de irrigar a economia, minimizando o desemprego de trabalhadores/consumidores. Nesta mesma quarta-feira em que deve ter início uma nova rodada de corte nos juros básicos, está prevista a divulgação pelo IBGE da taxa de desemprego de junho.

Prevê-se que o desemprego tenha uma pequena queda, saindo de 12,3%, entre março e maio, para algo como 12%, no período de abril a junho. Um refresco aguado, com talvez 12,5 milhões de desempregados e não mais 13 milhões. Número suficientemente alto para tornar difícil entender por que, com as condições existentes — baixo crescimento, alto desemprego, inflação sem fôlego e economia internacional favorável —, mesmo sem certeza absoluta sobre os rumos da reforma da Previdência, o Banco Central até agora dormiu no ponto.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.