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José Paulo Kupfer

Três razões para entender a tendência de alta do dólar

José Paulo Kupfer

05/08/2019 16h23

Erramos: este conteúdo foi alterado

O nervosismo tomou conta dos mercados financeiros em todo o mundo, na manhã desta segunda-feira (5), depois que o Banco Central da China deixou a cotação da moeda chinesa, o yuan, escorregar para mais de 7 yuans por dólar. No mercado brasileiro, a cotação do dólar escalava para as vizinhanças de R$ 4, com altas acima de 1,5% entre máximas e mínimas do dia. As cotações das ações, na Bolsa de Valores de São Paulo, na esteira da Bolsa americana, também recuavam com intensidade, encontrando dificuldades de manter o nível de 100 mil pontos.

A desvalorização do yuan, que arrastou os mercados financeiros globais para baixo, expressa uma resposta da China à imposição de novas tarifas pelos Estados Unidos a importações de produtos do gigante asiático para o mercado americano. Este foi um sinal laranja global — amarelo se aproximando do vermelho — para os efeitos da guerra comercial promovida pelo presidente americano Donald Trump contra a China.

As consequências dessa disputa têm potencial para acentuar as tendências de baixo crescimento nas economias mais desenvolvidas, o que arrastaria os emergentes na mesma direção. Uma das principais consequências dessa situação é o fortalecimento do dólar em relação às demais moedas.

Não é sem motivo que, nos pregões desta segunda, as cotações da moeda americana subiam nos mercados emergentes, inclusive no Brasil. Mas também há motivos internos que podem ajudar a explicar a possível formação de um ciclo de desvalorização do real ante o dólar. 

Aqui vão três razões para entender a perspectiva de alta do dólar:

1. O dólar é considerado o melhor porto seguro

Toda vez que surge no horizonte da economia global algum evento capaz de perturbar sua trajetória, a aversão ao risco se espalha entre os investidores, e o dinheiro costuma voar de todos os mercados para o da moeda americana. Isso se explica, mesmo quando a expectativa de crise incluiu a economia americana, pelo fato de o dólar, além de ser a moeda de emissão da maior e mais potente economia do mundo, opera como reserva de valor global.

Por esse motivo, em ambientes de alta incerteza e na perspectiva de que ocorram perdas econômicas generalizadas, a tendência é recorrer ao porto seguro dos dólares, aplicando recursos na moeda americana como forma de defesa de patrimônios. A expressão em inglês "flying to quality" (voando para a qualidade) resume esses momentos relativamente frequentes na história econômica, principalmente a partir da segunda metade do século 20.

2. Ajuste geral das cotações em resposta à alta do dólar

A partir do voo dos investidores para o dólar, o aumento da procura pela moeda americana tende a fazê-a valorizar em relação às demais. Ocorre então um efeito dominó em todos os mercados internacionais, com o objetivo de ajustar as moedas e ativos locais à nova situação, como forma de pelo menos retomar o equilíbrio anterior. Esse ajuste em série visa evitar a instalação de novos desequilíbrios competitivos entre países.

Uma taxa de câmbio mais desvalorizada em relação ao dólar promove, automaticamente, um aumento de preços nas importações em moeda local e uma redução dos preços dos produtos exportados. A fórmula utilizada pela China para se contrapor ao ataque americano a seus produtos — a desvalorização do yuan — é replicada nas demais economias, ainda que o sistema cambial seja o de taxas flutuantes, como forma de incentivar exportações e restringir importações. O mesmo ocorre no caso dos ativos financeiros e na atração ou repulsão de dólares pela via da "arbitragem" de taxas (leia abaixo).

3. Redução da taxa básica de juros resulta em desvalorizações cambiais

Nos sistemas de taxa de câmbio flutuante, nos quais, na essência, as cotações são determinadas pela procura e oferta de moedas, a relação com as taxas de juros é a de vasos comunicantes. Quando a taxa de juros cai ou sobe, a tendência da cotação do dólar é subir ou recuar. Apesar de interferências, principalmente em momentos de turbulência, o sistema cambial adotado pelo Brasil é o flutuante.

O real já vinha se desvalorizando ante o dólar desde a quarta-feira (31) quando o Banco Central  decidiu cortar a taxa Selic para 6% nominais ao ano e indicar novos cortes da taxa básica de juros à frente. Com as turbulências desta segunda-feira, acentuaram-se as desvalorizações do real ante o dólar, assim como estão em alta as taxas de juros futuros e o CDS (a aplicação financeira que funciona como seguro contra calotes da dívida pública)

Essa dança entre taxas de juros e taxas de câmbio se deve aos movimentos de "arbitragem", que determinam maior ou menor procura por uma moeda local da parte dos detentores de dólares. Quando a diferença entre as taxas de juros cobrada em dois países aumenta, aqueles que conseguem recursos nas economias em que os juros estão mais baixos veem vantagem em tomar empréstimos nos países de juros mais baixos para aplicar nos países de juros mais altos. Assim, podem ganhar com a diferença entre o custo do dinheiro tomado por empréstimo num dado país e o rendimento da aplicação que é feito em outro.

O movimento expressa uma entrada de dólares que, ao serem trocados pela moeda local, tende a concorrer para reduzir as cotações do dólar no mercado local, pelo aumento da oferta de dólares. No sentido oposto, quando há redução na diferença entre as taxas de juros externas e internas, a tendência é de menor ingresso de dólares e até de saída da moeda, expressando uma redução da vantagem nas "arbitragens". Nessa situação, a moeda local tende a se desvalorizar ante o dólar.

Errata: o texto foi atualizado

6/8/2019 às 15h55

Uma versão anterior deste texto informava, no primeiro parágrafo, que o yuan (moeda chinesa) havia escorregado para menos de 7 yuans por dólar. Na verdade, o yuan subiu para mais de 7 yuans por dólar. A informação foi corrigida.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.