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José Paulo Kupfer

A inflação continua muito baixa e isso não é sinal de economia saudável

José Paulo Kupfer

08/08/2019 09h14

Tanto quanto uma taxa de inflação muito alta, uma taxa de inflação muito baixa é sinal indesejável de distorções e desequilíbrios na economia. Por isso, a inflação muito bem comportada em julho, pode não parecer, mas é uma confirmação de que a situação econômica continua preocupante.

Medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculado pelo IBGE, a inflação em julho registrou alta de 0,19%. Isso fez com que a taxa acumulada em 12 meses recuasse de 3,36% em junho para 3,22%. O número mantém a inflação bem abaixo do centro da meta para 2019, de 4,25% no ano. No ano, até julho, a alta de preços não passou de 2,42%. A previsão do momento para o fim do ano de 2019 é de uma variação de apenas 3,8%, mas deve recuar depois do resultado de julho, que veio abaixo das projeções dos analistas.

Assim como preocupa quando um corpo humano está com temperatura muito superior à normalidade de 36,5 graus centígrados, também preocupa quando o corpo humano mostra temperatura abaixo desse ponto. A atual trajetória da inflação é um indicador de que o corpo econômico está frio — e necessitado de remédios que o aqueçam.

O termômetro que mede a inflação aponta desequilíbrios entre a oferta de bens e serviços e a procura por eles. De um modo simplificado, se a oferta é insuficiente para atender à procura existente, a marcação do termômetro sobe e a inflação aumenta. Na situação inversa, quando a oferta supera a procura, a inflação tende a se manter baixa.

É nessa segunda situação que se encontra a economia brasileira há cinco anos. A produção total atual ainda é mais de 5% inferior ao pico alcançado antes da recessão que teve início no segundo trimestre de 2014 e durou, tecnicamente, até fins de 2016. E a demanda, com mais de 12 milhões de desempregados, um exército de mais de 25 milhões de trabalhadores subutilizados e mais de 60 milhões de endividados, está no chão.

A saída da recessão, no último trimestre de 2016, se deu por uma retomada que se mostrou fraca. Em 2017 e 2018, o crescimento a cada ano não passou de 1% e 2019 vai na mesma marcha, denotando um estado de estagnação econômica ou de quase recessão. Projeções mostram que, mantido o ritmo de expansão dos últimos dois anos, só em 2024, mais de dez anos depois da entrada na recessão, o Produto Interno Bruto (PIB) voltaria a ser maior do que o de 2013.

Quando se fala em inflação, não custa lembrar que o fenômeno não expressa a ocorrência de preços altos. Inflação, por definição, descreve altas persistentes de preços. Não basta, assim, que os preços de alguns produtos tenha subido para, automaticamente, determinar uma alta da inflação. Não se vê inflação na feira livre ou no supermercado.

O conceito de inflação, tão presente no cotidiano de todos, no fundo, é uma abstração. Sua concretização no dia a dia se traduz pela variação de preços de uma cesta de produtos e serviços, entre dois períodos de tempo, correspondente ao consumo mensal de um cidadão médio teórico.

Obtida por pesquisas periódicas de orçamentos familiares, as variações de preços dessa cesta padrão, portanto, não exprimem, a rigor, a inflação de ninguém — cada um, dependendo do que consume, tem a sua própria inflação. É por convenção, enfim, que as variações de preços deste conjunto de produtos e serviços são aceitas como a expressão da inflação de todos.

No sistema de metas de inflação, adotado no Brasil desde 1999, o Banco Central deve utilizar os instrumentos da politicamente monetária, principalmente a administração da taxa básica de juros (taxa Selic), para manter a inflação o mais perto possível do centro da meta estabelecida.

Nos anos de 2017 e 2018, a inflação ficou abaixo do centro da meta. Em 2017 fechou em 2,95%, abaixo até mesmo do piso do intervalo de tolerância da meta, que previa desvio de 1,5 ponto, para mais ou para menos, em relação ao centro. No ano seguinte, embora dentro do intervalo de tolerância, a inflação bateu em 3,75%, novamente abaixo do centro.

Como 2019 também deve terminar com a inflação abaixo do centro da meta, serão três anos em que o Banco Central falhou em conduzir a inflação para o seu devido lugar. A taxa básica de juros não foi levada ao ponto ótimo, mas permaneceu acima dele, apesar da declaração recorrente nos comunicados do Banco Central de que a Selic se encontra em "terreno estimulativo" da atividade econômica.

A inflação muita baixa, o "novo normal" dos últimos tempos, porém, antes de sinalizar uma economia saudável, como poderia parecer, é um indicador das barreiras e dificuldades de longa duração que atormentam a produção e afligem empresários, trabalhadores e consumidores. Não deixa de ser uma forma de lembrar a incômoda presença de alta capacidade ociosa e vasto desemprego no cenário econômico.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.