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José Paulo Kupfer

Bolsonaro tira imposto de games, mas preço baixar é que são elas

José Paulo Kupfer

19/08/2019 08h59

O presidente Jair Bolsonaro comemorou, na sexta-feira, a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) dos jogos eletrônicos que ele mesmo determinou pelo decreto 9.971. Em sua conta no Twitter, Bolsonaro lembrou que reduziu a incidência do tributo sobre games de 20% a 50% para 16% a 40%, avaliando que a arrecadação de impostos não será alterada, "tendo em vista o aumento da demanda". O problema é que não há nenhuma garantia de que, com a redução do IPI, a demanda por games vai aumentar. Isso dependeria de um incerto recuo nos preços cobrados no mercado.

Caso a demanda aumente, o mais provável é que os fabricantes e comerciantes aproveitem a redução do tributo para ampliar suas margens operacionais, mantendo ou até mesmo aumentando os preços. Quando a demanda está fraca, aí sim a redução de tributos tende a ser repassada ao consumidor, resultando em  reduções nos preços.

As incertezas quanto ao efeito positivo da redução de impostos nos preços se deve ao fato de que, no Brasil, os tributos, no Brasil, são cobrados "por dentro". Ou seja, impostos, taxas e contribuições já estão embutidos e escondidos nos preços finais pagos pelos consumidores. Essa prática nada transparente está tão arraigada na cultura de consumo brasileira que a maior parte dos compradores nem se preocupa em verificar quanto os tributos oneram o preço final. 

Nem mesmo a lei que tornou obrigatória a descrição separada dos tributos nos cupons e notas fiscais mudou a situação. A lei não pegou completamente e não é sempre que a discriminação da parte dos tributos nos preços aparece nos documentos fiscais. Quando a nota ou o cupom fiscal exibe a relação de impostos e seu peso no preço, quase ninguém dá bola.

Cortar tributos para estimular vendas e esquentar a economia é política antiga usada por governos de todos os quadrantes e ideologias. É, por exemplo, o que o presidente Donald Trump tem feito, nos Estados Unidos. Às vezes, dá certo, às vezes, não. Nos últimos anos, a manobra foi usada no Brasil pelos governos de Dilma Rousseff e Michel Temer. Deu muito errado.

Entre 2011 e 2014, a o governo da então presidente Dilma Rousseff determinou isenções de IPI para diversos setores da economia. A renúncia fiscal chegou a robustos R$ 32 bilhões, beneficiando em especial os segmentos automotivos e de eletrodomésticos. Funcionou por um período curto e depois foi um desastre.

Com problemas de demanda, alguns segmentos beneficiados repassaram os cortes de impostos, o que estimulou uma antecipação de compras. Passado um tempo, os estoques começaram a se acumular, sem que o saldo final das isenções resultassem em expansão da economia, das vendas e da arrecadação tributária.

No caso da cesta básica, beneficiada com reduções de tributos em março de 2013, o efeito foi totalmente negativo. Os custos de produção estavam em alta e o corte de tributos foi insuficiente para baixar os preços. As isenções tributárias serviram apenas para aliviar a situação de produtores e comerciantes.

Apesar dos maus resultados obtidos por Dilma, Temer não só seguiu na mesma toada como ampliou os incentivos. Só em 2017, em crise fiscal aguda, o governo deixou de arrecadar quase R$ 355 bilhões, correspondentes a isenções de tributos. A medida passou longe de  acelerar a atividade econômica e compensar, com aumento de arrecadação, as perdas de receita.

Resumindo a história, são tantos os fatores e as situações de momento com influência na formação de preços que não é possível assegurar o efeito desejado de reduzi-los e aumentar a procura dos produtos ou dos serviços beneficiados, isoladamente, com cortes de tributos.

No caso específico dos jogos eletrônicos, a situação do mercado não é exatamente propícia a reduções de preços/aumento de demanda pela via do corte de impostos. Primeiro, porque o mercado consumidor já tem porte e está em expansão.

O Brasil ocupa a terceira posição no ranking mundial do número de jogadores, com mais 60 milhões de jogadores, e esse número está em contínua expansão. Quanto maior a pressão de compra, menor o estímulo para que vendedores, mesmo com isenções de impostos, reduzam preços.

Depois, porque, no lado da oferta, o mercado ainda enfrenta limitações. No ano passado, o faturamento total do negócio de games alcançou US$ 1,5 bilhão, o que colocou o país na liderança do mercado latino-americano e no 13º lugar na lista dos maiores do mundo.

Esse resultado não representa nem 0,5% do faturamento do setor no líder mundial, os Estados Unidos, mas indica a existência de espaço para rápido crescimento. Censo da indústria de jogos digitais localizou, em 2018, 375 desenvolvedores, número 164% superior ao encontrado em 2014.

Além da pressão natural sobre os preços num mercado com alta demanda e oferta restrita, os produtos oferecidos são em sua grande maioria importados — apenas dois tipos de consoles básicos são montados e, ainda assim, com partes vindas de fora, no Brasil. Isso significa que as oscilações nas cotações do dólar têm peso relevante na formação dos preços, dificultando repasses de isenções de impostos.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.