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José Paulo Kupfer

Roubini, o economista que previu a crise de 2008, está agora prevendo outra

José Paulo Kupfer

11/09/2019 04h00

Sinais de desaceleração da economia mundial estão se acumulando a cada dia. O mais recente é o da queda na produção industrial global mais acentuada e disseminada em pelo menos seis anos. O recuo está sendo puxado pela indústria automobilística e o motivo apontado são os efeitos colaterais da guerra comercial entre Estados Unidos e China.

Um novo índice de incerteza no comércio internacional, calculado pelo FMI (Fundo Monetário Internacional), mostra dados preocupantes. Retroagindo até 1995, o índice mostra um salto em 2019, superando em dez vezes a marca de 2018, depois de quase 25 anos de relativa estabilidade. A causa, mais uma vez, é a guerra comercial EUA-China.

Incertezas sobre o futuro próximo da economia mundial ajudam a paralisar investimentos e, assim, contribuem para derrubar as perspectivas de crescimento econômico. Mas não só isso. Elas também estão presentes em movimentos defensivos nos principais mercados de ativos financeiros — ações, moedas e títulos públicos e privados.

A recente inversão nas taxas (e rendimentos) de títulos da dívida americana, com retornos menores para papéis de longo prazo, em relação ao rendimento dos títulos de curto prazo, trouxe mais um sinal de alerta. A inversão, que ocorrera pela última vez no período que antecedeu à grande crise global de 2008, voltou a acontecer agora em agosto. Muitos atribuíram a ocorrência a um prenúncio de uma nova recessão na economia global.

Também o aumento dos investimentos em papéis com juros negativos refletiria um mau presságio sobre a atividade econômica internacional. Já são mais de US$ 15 trilhões de aplicações com juros negativos — um volume sem precedentes –, a indicar que, diante das incertezas sobre o futuro da economia global, a busca por segurança está superando a atração pela caça de lucros.

Nouriel Roubini, o economista americano, de 61 anos, nascido em Istambul, na Turquia, que ficou célebre por antecipar a crise de 2008, está prevendo agora a possibilidade de uma nova recessão global, talvez já a partir de 2020. Além da guerra comercial EUA-China, dois outros choques, na visão de Roubini, poderiam desencadear uma retração econômica generalizada.

Um deles é a disputa tecnológica, também entre Estados Unidos e China, pelo domínio de mercado dos novos e revolucionários usos da inteligência artificial, da robótica e das redes de comunicação 5G. O outro é um acirramento de conflitos no Oriente Médio, em torno dos suprimentos de petróleo, novamente opondo Estados Unidos e Irã.

Já se sabe o que se passa nas economias com a ocorrência de instabilidades e cortes no fornecimento de petróleo. Mesmo com a atividade econômica eventualmente em baixa, o choque na oferta de energia joga os preços do petróleo para o alto, encarece, generalizadamente, os custos de produção e reduz a demanda em geral.

Quanto às disputas no ambiente da tecnologia de ponta, segundo Roubini, os perigos para a economia mundial vão além de uma guerra competitiva. A tecnologia 5 G, por exemplo, em breve será o padrão de conectividade para infraestrutura civil e militar, algo crítico e sensível do ponto de vista da segurança nacional. Pelo menos em tese, um chip 5G pode transformar qualquer eletrodoméstico em dispositivo espião de escuta.

As recentes desconfianças do presidente americano, Donald Trump, em relação à gigante chinesa de comunicações Huawei dão uma ideia dos riscos iminentes. Os Estados Unidos colocaram a empresa, hoje a mais avançada no domínio da tecnologia 5 G, numa lista de firmas estrangeiras classificadas como ameaça à segurança nacional e, embora tenham aliviado a restrição, por pressão de fornecedores americanos da empresa chinesa, o governo Trump acaba de anunciar a inclusão de mais afiliadas da Huawei à lista.

"Isso significa que, se a Huawei for realmente considerada uma ameaça à segurança nacional, o mesmo aconteceria com milhares de exportações chinesas", escreveu Roubini num artigo publicado em fins de agosto. "É fácil imaginar", completa o economista, "como essa situação pode levar a uma implosão em escala do sistema de comércio global".

Para o Brasil, as perspectivas de uma nova crise econômica mundial podem ser encaradas como um complicador para a recuperação da atividade econômica. A economia brasileira exibe forte correlação, direta e positiva, com as cotações nos mercados internacionais de commodities. Se a tendência recessiva global vier a se confirmar, as volumosas exportações brasileiras de commodities agrícolas e minerais seriam afetadas com baixa de preços e retração da demanda.

Em relação ao petróleo, o Brasil exporta cerca de 30% do que produz, mas ainda importa 15% do petróleo consumido internamente. Um choque de oferta produziria efeitos mistos no balanço externo específico do setor, mas transmitiria dificuldades adicionais para o conjunto da economia.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.