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José Paulo Kupfer

Emprego com carteira vira sonho distante numa economia em quase recessão

José Paulo Kupfer

27/09/2019 15h10

A evolução do mercado de trabalho é como uma prova dos nove de como a economia está se comportando. Ainda que a relação entre a abertura —ou fechamento— de postos de trabalho e o nível de atividade ocorra com alguma defasagem no tempo, não há indicador mais sintético e preciso do quadro econômico.

Com base nessa constatação, pode-se dizer que os números da Pnad (Pesquisa Nacional de Amostras por Domicílios) Contínua, no trimestre móvel encerrado em agosto, descrevem uma economia em situação de "quase recessão". A atividade hesitante, carregando o peso de uma grande ociosidade, está contribuindo para o fenômeno da substituição do emprego com carteira assinada por trabalho mais precário, informal e em tempo parcial.

Na medição com ajuste sazonal, a taxa de desemprego subiu para 12% da força de trabalho. A tendência de aumento da informalidade segue em alta. Cotejado com os números do emprego com carteira medidos pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), quase 60% da população ocupada trabalha na informalidade.

Os níveis de mão de obra subutilizada encolheu 3%, em relação ao trimestre móvel encerrado em maio, mas ficou do mesmo tamanho, na comparação com igual trimestre de 2018. São 27,8 milhões de pessoas —um em cada quatro brasileiros na força de trabalho— que trabalham menos horas do que poderiam ou desejariam.

Na linguagem mais simples e direta das ruas, as pessoas estão se virando como podem para manter alguma ocupação, auferindo a renda possível. Confirmando a dificuldade do mercado de trabalho em absorver mão de obra ociosa, as imensas filas nos mutirões de emprego parecem longe de dar uma trégua.

São vários recordes registrados nesta PnadC de agosto. É recorde a quantidade de pessoas ocupadas, mas também é recorde o número de informais e de trabalhadores por conta própria. Na imensa maioria, trabalhadores sem cadastro de pessoa jurídica, uma turma que "se vira nos 30", esses "por conta própria" já formam um exército de quase 25 milhões de pessoas —um em quatro trabalhadores.

Reflexo desse quadro de dificuldades de absorção de mão de obra, o salário médio real, apesar da inflação em patamares historicamente baixos, tem avançado muito pouco, quando não recuado. O valor da remuneração ficou estável, na comparação com o trimestre anterior, e caiu 0,4%, em relação ao mesmo trimestre de 2018.

Estabilidade na taxa de desemprego, deterioração na composição da população ocupada, com avanço da informalidade e retração de empregados com carteira assinada, recuos nos rendimentos reais, mesmo com inflação baixa, indicando contração nos salários nominais —eis o retrato de um mercado de trabalho que espelha uma economia, que, salvo setores poucos e específicos, caso da importante construção civil, mantém tendência à estagnação.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.