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José Paulo Kupfer

Robôs devem roubar metade dos postos de trabalho; como se adaptar?

José Paulo Kupfer

08/10/2019 04h00

A história da evolução da Humanidade também pode ser narrada como a corrida dos trabalhadores na tentativa de adaptação aos impactos das novas tecnologias no mundo do trabalho. Da alavanca à inteligência artificial, uma maratona jamais encerrada produziu tanto destruição quanto criação de profissões e ocupações, assim como mudanças nas relações trabalhistas.

Essa evolução não se deu a um ritmo único e estável, mas aos solavancos, com períodos intermediários de acomodação entre um salto e outro. Vive-se agora um novo momento de rápidasmudanças tecnológicas, com a possibilidade técnica de substituição veloz de empregos humanos por ocupações exercidas por robôs.

O aumento da preocupação com a destruição mais intensa de empregos se deve à aceleração com que essas mudanças tecnológicas estão ocorrendo, segundo o economista Bruno Ottoni, pesquisador da consultoria IDados e do Ibre (Instituto Brasileiro de Economia/FGV), além de professor na UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). Juntamente com Paulo Rocha e Oliveira, Lucas Estrela e Tiago Barreira, Ottoni acaba de concluir, na IDados, o estudo "Automação e Desemprego: o caso brasileiro".

Nesse trabalho, é apontada a existência de alta possibilidade técnica de substituição de 58,1% dos empregos na economia brasileira, afetando 52 milhões de trabalhadores, no prazo de 10 a 20 anos. Para 19,1% dos trabalhadores, um contingente de 17 milhões de pessoas, é média essa possibilidade, ao passo que, para 20,5 milhões, representando 22,81% do total de postos de trabalho, o risco de substituição é baixo. 

O estudo cruzou dados da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) com pesquisas que objetivaram medir o risco de substituição de trabalhadores por máquinas em outros países. "É importante ressaltar que os estudos, inclusive o nosso, analisam a capacidade técnica de as máquinas substituírem trabalhadores", diz Ottoni. "Uma coisa é constatar a existência de capacidade técnica para substituir, outra coisa, diferente, é essa substituição acontecer." A efetiva substituição ou não, lembra o pesquisador, depende de uma série de fatores, ligados a aspectos econômicos, políticos e culturais.

Ocupações como condutores de veículos, cobradores de ônibus, entrevistadores de pesquisas de mercado e balconistas de serviços de varejo estão entre as mais ameaçadas de substituição até 2040. Do lado contrário, psicólogos, engenheiros, juristas e gerentes de nível médio ou superior são profissões, no momento, com menores riscos de substituição em 10 a 20 anos.

A chave do segredo para escapar da guilhotina da substituição técnica por robôs pode ser resumida numa palavra: qualificação. Para Bruno Ottoni, quanto mais uma profissão ou um profissional agregar criatividade, originalidade e habilidades sócio-emocionais, mais difícil será a sua substituição por máquinas.

Também os modelos de funcionamento do mercado estão em mutação. "As mudanças no mercado de trabalho tendem a se acelerar, o que significa que, aqueles conhecimentos adquiridos há algum tempo logo podem ficar obsoletos", avisa Ottoni, sugerindo que o retreinamento será permanente e a requalificação, continuada. "A verdade é que, no mercado do trabalho do futuro, o rotineiro na vida das pessoas será a mudança". 

Na entrevista a seguir, Bruno Ottoni reflete sobre as mudanças no mundo do trabalho com o avanço da robotização e como os trabalhadores podem aproveitar as novas tecnologias e as máquinas para se tornarem mais produtivos e necessários.

Quase 60% dos postos de trabalho no Brasil, afetando mais de 50 milhões de trabalhadores, correm o risco de serem substituídos por robôs em até 20 anos. Não é um número exagerado?

À luz de estudos em outros países, o resultado, para o Brasil, ficou em linha com o esperado. Na verdade, ficou um pouco abaixo do esperado. Quando olhamos para os países vizinhos, mais parecidos com o Brasil, como Argentina e Uruguai, as estimativas são mais altas, na faixa de 63% a 65%.

É muito grande a diferença em relação aos números encontrados para países de economia mais madura?

Estudos semelhantes para países ricos, como Estados Unidos e Suécia, por exemplo, projetam alto risco de substituição por automação em 47% dos empregos. Na China, de outro lado, as estimativas são de que quase 80% do postos de trabalho embutem alto risco de substituição, nesse período de 10 a 20 anos, percentual que chega a 80% no Nepal e 85% na Etiópia. Os estudos sobre automação de empregos concluem que existe uma razão inversa entre o grau de desenvolvimento de uma economia e a taxa de substituição de empregos por máquinas.

O que explica essa relação inversa?

A principal explicação é a da qualificação. Em economias mais desenvolvidas, no geral, os trabalhadores são mais qualificados. Como regra, trabalhadores mais qualificados têm menos chances de serem substituídos por máquinas. Costumam exercer atividades mais complexas.

O problema então não é que, nos países menos desenvolvidos, a massa das ocupações é mais repetitiva, mas, sim, que a mão de obra é menos qualificada?

De fato, em geral, trabalhadores mais qualificados acabam realizando tarefas menos repetitivas. Uma coisa acaba puxando a outra porque a exigência de mais qualificação decorre da existência de mais postos de trabalho menos repetitivos, que pagam salários melhores e exigem mais criatividade, originalidade e habilidades sócio-emocionais. Nas economias emergentes, menos trabalhadores se encontram nesse nível de exigência e, portanto, são mais vulneráveis à substituição.

Essa proporção de ocupações vulneráveis à substituição por robôs é uma fatalidade, ocorrerá de qualquer forma, ou existem fatores que podem tanto atrasar quanto acelerar esses números?

Essa é uma pergunta muito importante porque os estudos, inclusive o nosso, avaliam a proporção de empregos que, tecnicamente, são passíveis de substituição. Os estudos analisam a capacidade técnica de as máquinas, em 10 ou 20 anos, substituírem trabalhadores. Uma coisa é constatar a existência de capacidade técnica para substituir, outra coisa, diferente, é essa substituição acontecer. Entre uma coisa e outra, diversos fatores vão influenciar a efetiva substituição ou não.

Quais os principais fatores que podem influenciar nesse processo?

Costumo ressaltar fatores econômicos e políticos. Entre os fatores econômicos, no Brasil, por exemplo, as remunerações são mais baixas do que nos Estados Unidos. Para a mesma ocupação, o trabalhador no Brasil, em geral, recebe menos do que seu congênere nos Estados Unidos. A chance de substituição por máquina, no Brasil, por este motivo, acaba sendo menor, mesmo existindo capacidade técnica para tal. O empresário vai fazer uma análise do custo e do benefício da substituição. Como o custo relativo do trabalho é mais baixo, pode ser que uma coisa que valha a pena ser feita nos Estados Unidos não seja, no Brasil.

Os custos trabalhistas estão considerados nesse raciocínio?

Na prática, não. De fato, o Brasil tem custos trabalhistas maiores. Mas, de um modo geral, o trabalhador brasileiro acaba ganhando menos, mesmo com custos trabalhistas maiores. A relação custo-benefício continua sendo menor, desestimulando, em tese, a substituição ou, pelo menos, parte dela.

E a questão política, como influencia?

Aqui temos exemplos clássicos no Brasil. É o caso dos frentistas de postos de combustível. Há leis que impedem as pessoas de colocar combustíveis nos tanques dos próprios veículos, diferentemente do que ocorre em outros países. Há também o caso dos cobradores de ônibus, mantidos em seus postos por pressões sindicais. Outro ponto importante, que nosso estudo não considera, é o da possibilidade de criação de novas ocupações, a partir do uso de robôs. Sabemos que, por exemplo, a profissão de cientista de dados está estourando. No final, o efeito líquido da substituição pode ser menor do que estamos estimando.

A existência de empresários resistentes à inovação não pode também atrasar esse processo de substituição de trabalhadores por máquinas?

Além de fatores econômicos e políticos, também fatores culturais podem influenciar esse movimento. Por exemplo, no Brasil, com uma história de grandes solavancos na economia, a aversão ao risco é mais disseminada que em outros lugares. Uma ideia, mais ou menos generalizada, é ser muito inovativo, tomar mais riscos, pode resultar em prejuízo. Para isso, concorre a falta de competição. No Brasil, os mercados costumam são mais fechados, menos competitivos. Em mercados menos competitivos, o incentivo a inovar tende a ser menor.

Considerando todos esses aspectos, quais a principais mudanças no mundo do trabalho esperadas, no Brasil, no futuro próximo?

Assim como existem ocupações que vão desaparecer, por causa da evolução tecnológica, vão surgir novas profissões. Esse é um processo que vem desde a Revolução Industrial, a partir de meados do século 18. Há uma preocupação recente com a possibilidade da perda mais intensa de empregos porque aumentou a velocidade com a qual as inovações estão ocorrendo. O temor é que, com tanta aceleração, o ser humano não consiga se adaptar tão rapidamente. Agora, se o trabalhador, nesse futuro, não correr contra a máquina, mas junto com ela, são grandes as chances de que consiga prosperar.

O que significa "não correr contra a máquina, mas junto com ela"?

"Race against the machine ("Corrida contra a máquina", em tradução livre do inglês) é o título de um famoso livro, de dois pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology), sobre a revolução digital que está impactando o mundo do trabalho. A ideia é que o trabalhador, em lugar de lutar contra as inovações, deve aproveitar as máquinas e as novas tecnologias para se tornar mais produtivo. Ele deve correr junto com as máquinas e ampliar sua produtividade, valendo-se das novas tecnologias.

Só aprender a tirar vantagem das novas tecnologias será suficiente para garantir os empregos no futuro?

Outros empregos, que levam em conta habilidades sócio-emocionais, também terão espaços importante no futuro. São essas habilidades que a máquina tem muita dificuldade de substituir. Já há hoje tentativas de substituir gente por robôs, numa série de atividades, mas com resultados, pelo menos por enquanto, ainda fracos. Um exemplo é a atividade de telemarketing, em que logo percebemos que estamos falando com robôs e desligamos. Profissões que exigem empatia, capacidade de escutar e entender os outros, caso óbvio dos psicólogos e terapeutas, não estarão, em geral, ameaçadas.

O que um trabalhador, nas prática, precisa fazer para escapar da guilhotina tecnológica?

Em geral, trabalhadores que conseguem maior qualificação estarão mais protegidos dessa tendência de substituição por robôs. Quanto mais uma profissão ou um profissional agregar criatividade, originalidade e habilidades sócio-emocionais, mais difícil será a substituição por máquinas. As atividades de gerência, só lembrando, exigem muitas habilidades sócio-emocionais. Também engenheiros, em geral, têm mais chances de sobreviver. Mas é preciso cuidado na análise. O que os novos tempos do trabalho estão indicando é que, para resistir à substituição por um robô, não basta ter conhecimento técnico, é preciso ter capacidade de liderar.

Nesse aspecto da qualificação, o que deve ser destacado, em função das novas exigências do mercado de trabalho?

Um dos pontos mais ressaltados nessa nova literatura que trata do avanço digital no mercado de trabalho é a perspectiva de alteração nos modelos de funcionamento do mercado de trabalho. O modelo atual, no qual, de posse de uma educação formal e do respectivo diploma, o indivíduo é considerado pronto para o mercado pelo resto da vida está condenado. Os novos modelos exigirão permanente retreinamento e requalificação continuada. As mudanças no mercado de trabalho tendem a se acelerar, o que significa que, aqueles conhecimentos adquiridos há algum tempo logo podem ficar obsoletos. A verdade é que, no mercado do trabalho do futuro, a constância será a mudança. O rotineiro na vida das pessoas será a mudança.

E do ponto de vista de um país, que políticas públicas deveriam ser adotadas, quando se considera que  de metade a 60% da sua força de trabalho corre o risco de ser substituída por máquinas?

Além de programas de qualificação e requalificação de pessoal, faria sentido estruturar um sistema de agências de empregos, focadas na recolocação de pessoas no mercado de trabalho, em paralelo ao SINE (Serviço Nacional de Emprego), criado em 1975 e hoje vinculado ao Ministério da Economia, cuja eficiência não parece ser muito grande. Uma ideia que circula é que essas agências pudessem ser privadas e fossem remuneradas, em parte e cumprindo certas condições, pelos recursos que deixariam de ser gastos com o seguro desemprego do trabalhador recolocado mais rapidamente. Os sindicatos também poderiam encarar a necessidade de recolocação mais frequente como oportunidade para melhorar serviços aos associados e sua arrecadação voluntária, depois da perda de receitas compulsórias.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.