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José Paulo Kupfer

Taxas básicas de juros estão baixas e vão baixar ainda mais. Até quando?

José Paulo Kupfer

24/10/2019 04h00

A taxa básica de juros (taxa Selic) nunca esteve tão baixa no Brasil e a tendência é que continue a cair por mais algum tempo. A expectativa é que os juros básicas, hoje em 5,5% nominais ao ano, recuem para 5%, na reunião do Copom (Comitê de Política Monetária) marcada para a próxima semana. Já não são isoladas as apostas em juros básicos abaixo de 4% ao ano em 2020.  Isso significa uma taxa real próxima de zero. 

No mercado financeiro, a expectativa é de que os juros básicos, se descerem abaixo de 4% até o início de 2020, iniciarão um novo ciclo de alta ainda no ano que vem. Nesse novo ciclo, de todo modo, os juros básicos não passariam de 7% anuais em 2022, com a inflação contida no centro da meta. Juros mais baixos, mesmo que não tão baixos, parecem ter vindo para ficar por um período de tempo relativamente longo.

Há quem se antecipe e já considere que os juros mais baixos, até mesmo no Brasil, assumiram caráter estrutural. Envelhecimento da população, limitando a propensão a consumir, mudanças tecnológicas que operam na direção de aumentar a competição e conter preços, pela via dos mecanismos de busca, maior eficiência das cadeias de produção e abertura de mercados seriam os elementos que sustentariam essa convicção.

Se talvez possa valer para economias maduras da Europa e para o Japão, difícil acreditar que tais condições já sejam predominantes no Brasil. Apontar o teto de gastos, a reforma trabalhista e a apenas recém-aprovada reforma da Previdência como fatores que estão promovendo mudanças na estrutura dos juros é querer, na melhor das hipóteses, transformar uma possibilidade em realidade.

Na economia brasileira, os juros básicos estão cedendo porque a atividade econômica não  consegue sair da letargia, depois de padecer, entre 2014 e 2016, a mais profunda recessão de sua história. A recessão mais profunda deu lugar à mais lenta recuperação conhecida.

Insuficiência de demanda, nas águas de um desemprego de 12% da força de trabalho, com 28 milhões de desempregados e subempregados, além de taxas de informalidade recordes no mercado de trabalho, é a combinação adversa que está na base dos índices de inflação e de juros básicos ineditamente baixos. Operando cerca de 5% abaixo do seu potencial, a economia brasileira vive uma situação de ampla e generalizada ociosidade. O resumo desse quadro é que existe largo espaço para manter juros baixos sem pressionar a inflação.

Para quem, como os brasileiros, se acostumaram a conviver com juros nas alturas – a taxa básica chegou a superar 40% ao, como em 1999, na virada do sistema de câmbio fixo para o de câmbio flutuante -, essa nova situação é inusitada. Mesmo que não dure para sempre, os impactos dos juros baixos afetarão a economia em seu conjunto, chegando até ao dia a dia das pessoas. 

Um primeiro efeito direto de um ciclo de juros baixos produz alterações na trajetória da dívida pública. A taxa Selic mexe diretamente com 40% da dívida e afeta o restante da composição do endividamento do governo. A queda no serviço da dívida (pagamento de juros e amortização do principal) provoca uma redução no nível de resultado primário das contas públicas necessário para estabilizar a dívida. Juros mais baixos trazem alívio para o ajuste fiscal.

Juros baixos também mexem com o leque de produtos oferecidos no mercado financeiro para investimentos. A tendência natural é a de que a faixa ocupada por papéis e fundos de renda fixa, em geral menos voláteis, percam rentabilidade, cedendo espaço para aplicações de maior risco. No caso dos fundos, a competição pela oferta de aplicações com taxas de administração mais baixas já é uma realidade.

Aplicações de renda variável, caso das ações de empresas negociadas no pregão da Bolsa brasileira, são uma alternativa natural para tentar conferir mais rentabilidade ao dinheiro aplicado. Com essa mudança em favor das aplicações em renda variável, muda também a maneira de avaliar investimentos. Investir em ações exige dispor de informações sobre o desempenho de empresas, dos setores em que atuam e do ambiente de negócios em geral.

Taxas básicas em trajetória de queda também influenciam o custo dos financiamentos a empresas e pessoas. Deveriam incentivar a ampliação do consumo, via crediário, e dos negócios, via financiamento da ampliação ou renovação do parque produtivo. No Brasil, porém, a redução na Selic não é acompanhada no mesmo ritmo pelas taxas cobradas nos empréstimos a empresas e pessoas. Distorções no mercado de crédito, a começar da existência de uma forte concentração de recursos e ativos em poucas instituições bancárias, retiram potência da política monetária (política de juros), na indução do consumo, do investimento, enfim, do crescimento econômico.

Os juros cobrados em um empréstimo de custo prazo, para capital de giro de empresas, anda, em média, na casa de 18% ao ano, muito superior aos 5,5% da atual taxa básica. No segmento livre, empresas e pessoas estão obtendo crédito a uma taxa média próxima de 40% ao ano. Desde o último trimestre de 2016, quando teve início o atual ciclo de cortes dos juros básicos, a Selic desceu de 14,5% para 5,5%, mas o custo dos empréstimos, no segmento livre do mercado, só recuou de 60% anuais para os atuais 40% ao ano.

Taxa de juros de mercado nas alturas é o que explica o baixo volume de crédito contratado na economia brasileira. Enquanto em outros países emergentes o montante de crédito concedido equivale a 100% do PIB, no Brasil essa taxa está estabilizada em menos de 50% do PIB.

Demanda e oferta de crédito estão, claramente, abaixo do potencial. Os juros básicos mais baixos da história, por enquanto, não foram suficientes para mudar esse panorama.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.