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José Paulo Kupfer

Juros já deveriam estar em 3% para levar inflação à meta, diz economista

José Paulo Kupfer

11/11/2019 04h00

A inflação, medida pela variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo), registrou alta de 0,1% em outubro. É a menor variação para meses de outubro desde 1998, mais de duas décadas atrás, quando transcorria o quarto ano do Plano Real.

No acumulado em 12 meses, a inflação só avançou 2,45%. A alta de preços acumulada encontra-se abaixo do piso do intervalo determinado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para o sistema de metas de inflação. O sistema prevê, para 2019, uma inflação de 4,25% como centro da meta, permitindo desvios de 1,5 ponto percentual, para mais ou para menos. Ou seja, o sistema de metas será atendido se a inflação, no ano civil, ficar entre 2,75% e 5,75%.

As projeções para o ano fechado de 2019 apontam inflação em torno de 3,5%. Se o resultado for confirmado, será o terceiro ano consecutivo em que a inflação terá ficado abaixo do centro da meta. Em 2017, não passou de 2,74% e, em 2018, limitou-se a subir 3,74%. Nesses dois anos, o centro da meta fixado era de 4,5%, com tolerância de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo. Se valer a projeção do Boletim Focus, também em 2020 a inflação, com avanço previsto de 3,6%, ficaria pelo quarto ano seguido abaixo do centro da meta.

Em seus 20 anos, foram frequentes as vezes em que a inflação bordejou o teto do intervalo do sistema de metas, chegando a furá-lo em algumas ocasiões. Mas, desde a saída da recessão, em 2016, e, em sintonia com a recuperação mais lenta e tímida da história econômica brasileira conhecida, a inflação se mantém abaixo do centro da meta. Nesse período, acomodou-se mais próximo do piso do que do centro, e, em 2017, furou até mesmo o piso do intervalo.

Esses números mostram que alguma coisa errada está acontecendo com os controles do Banco Central sobre a política monetária (política de juros). A missão do Comitê de Política Monetária (Copom), que reúne os diretores do Banco Central e é responsável por levar a inflação para o centro da meta, não está sendo devidamente cumprida. Essa é uma certeza carregada pelo economista Braulio Borges, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas) e analista da LCA Consultores, uma das maiores e mais prestigiadas do mercado.

A taxa básica de juros (taxa Selic) está em 5% nominais ao ano. Chegou neste ponto, ineditamente baixo, percorrendo um longo ciclo de cortes, que começou em outubro de 2016, quando os juros de referência se encontravam em 14,25%. As projeções do mercado financeiro para o fim de 2019 são de que a taxa Selic ainda sofra mais uma redução, terminando o ano em 4,5% e assim permanecendo durante todo o ano de 2020.

Observando os indicadores de inflação, persistentemente abaixo do centro da meta, e considerando a existência de uma insuficiência de demanda, que determina níveis elevados de desemprego de mão de obra e ociosidade no parque de produção instalado, Braulio Borges não tem dúvidas de que os cortes nas taxas básicas de juros têm sido "excessivamente cautelosos". Para o economista, de acordo com simulações que elaborou, levar a inflação para o centro da meta até fins de 2020 exigiria cortar a taxa básica de juros já para 3%.

Na entrevista a seguir, Braulio Borges explica por que o Banco Central está errando na política de juros e por que a taxa Selic já deveria estar bem mais baixa do que já está:

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Seus estudos indicam que, quando combinados, desemprego e horas trabalhadas continuam hoje com a mesma situação registrada na virada de 2016 para 2017, que marca, oficialmente, o fim da recessão. O que isso significa?

Há três anos, o desemprego era maior, mas as pessoas, em média, trabalhavam maior número de horas. Agora, em 2019, a composição se inverteu: o desemprego está menor, mas o número de horas trabalhadas caiu. Independentemente da composição, pode-se dizer que o mercado de trabalho, essencialmente, não se moveu nesse período.

Quais as implicações desse fato?

O mercado de trabalho é um elemento importante na definição de qualquer política monetária [política de juros]. Quando a política fiscal e outras estão vivendo restrições, as informações do mercado de trabalho são ainda mais importantes. Ele tem a ver com a ociosidade na economia e as consequentes pressões de demanda, que podem ou não colocar em risco o cumprimento da meta de inflação. Não é à toa que, nos Estados Unidos, o Federal Reserve [banco central] presta tanta atenção na taxa de desemprego, para a calibragem da taxa de juros.

A política de juros brasileira está sintonizada com os movimentos do mercado de trabalho?

Quando observamos que o mercado de trabalho está praticamente parado há três anos, com o mesmo e elevado nível de ociosidade, ao mesmo tempo em que caminhamos para o terceiro ano de inflação muito abaixo do centro da meta, fica mais do que claro que a política monetária tem sido excessivamente cautelosa, em particular no último ano e meio. Podemos concluir que a atual recuperação atipicamente lenta da economia não tem tanto a ver com a chamada "herança maldita" dos governos petistas, mas tem a ver com a calibragem equivocada da política monetária.

Mas a política monetária é só parte da política econômica. Não há outros fatores que explicam também esse fenômeno de uma economia quase parada há tanto tempo?

Em contraste com a política fiscal, a política parafiscal e outras, a política de juros tem um objetivo muito claro, que é o de levar a inflação para o centro da meta estabelecida. Além disso, a política monetária deve reagir a outras políticas. Se a política fiscal está sendo contracionista, sem entrar no mérito se isso está certo ou não, a política monetária deve levar esse dado em conta na hora de calibrar seus instrumentos para o cumprimento de seu objetivo, que é, repetindo, o de levar a inflação para o centro da meta.

Mas sozinha a política monetária conseguiria fechar essa ociosidade se fosse mais agressiva?

Sem dúvida nenhuma. É preciso notar que ainda estamos bem distantes daquela situação em que a política monetária fica sem instrumentos para atuar. Nossa taxa de juros nominal ainda está alta, em comparação com as taxas praticadas em outras economias. Uma política de juros mais agressiva daria grande contribuição para destravar a economia.

A preocupação é que muitos estão aceitando essa lentidão, sem conseguir medir, na minha opinião, os malefícios causados. Maior bem-estar geral poderia estar sendo obtido com mais crescimento, mais atividade, desemprego menor, inflação na meta, etc.

Como viu o pedido do ministro Paulo Guedes que se esperasse quatro anos para cobrar resultados das políticas que ele está implantando? É viável esperar?

Não foi isso que ele prometeu quando assumiu, e eu acho que não é viável esperar tanto por resultados. Vivemos a recuperação mais lenta da história, já são quase seis anos desde o início da recessão, três da saída dela, e a economia ainda está abaixo do pico pré-crise.

As máquinas vão ficando obsoletas, os trabalhadores vão perdendo capacitação, aumentam os incentivos para fuga de cérebros. A mera passagem do tempo vai produzindo estragos com grandes custos para serem superados.

Essas dificuldades, que são sempre criadas pela demora na recuperação, na prática, funcionam como uma contrarreforma. De um lado, o governo se esforça em encaminhar reformas para melhorar a economia, mas, de outro, as condições de funcionamento vão piorando. O perigo é uma coisa anular a outra e continuarmos parados.

Mas o Banco Central não acelerou os cortes nos juros básicos?

Fiquei mais animado quando a diretoria do Banco Central deu a entender que iria acelerar a política de juros, mas desanimei de novo quando, no comunicado da última reunião do Copom (Comitê de Política Monetária), divulgado no dia 30, o Banco Central deu a entender que passaria a ser mais cauteloso, mesmo com as próprias projeções de que a inflação ficaria abaixo do centro da meta também em 2020 e 2021.

Qual seria o nível adequado da taxa básica de juros para levar a inflação ao centro da meta?

Fiz simulações, com base em diversas premissas razoáveis —o mundo crescendo pouco em 2020, a Argentina piorando antes de melhorar, cotação do petróleo relativamente estável, a taxa de câmbio em torno do que está hoje. Minha conclusão é de que a taxa de juros já poderia estar perto de 3% nominais ao ano. Em termos reais, iria a -1%.

O que significaria esse juro real negativo?

Não seria um problema. Primeiro, ajudaria a inflação em 2020 a caminhar para a meta. Hoje, as projeções para a inflação em 2020 estão em 3,6%, e a meta é de 4% Esses 3% seriam o nível de juros necessário para levar a inflação para a meta daqui a um ano e três meses, no fim de 2020.

O que aconteceria com as aplicações das pessoas que guardam poupanças em investimentos mais conservadores?

Com esses juros, a aconomia vai acelerar, e o hiato entre o crescimento possível e este crescimento efetivo, muito baixo, vai fechar. A atividade econômica vai crescer, haverá mais empregos. Sem falar no crédito, que ficará mais atraente, como já estamos vendo no mercado imobiliário. Com horizontes melhores, as pessoas ficam mais dispostas a assumir mais riscos, a empreender.

Também é preciso ter claro que os juros não vão ficar parados nesses 3% para sempre. Se os juros caíssem para 3% já no final de 2019, o BC teria de sinalizar uma subida gradual das taxas, para assegurar o cumprimento da meta também em 2021 e 2022. Não fiz esse exercício, mas é possível imaginar a taxa de juros numa banda entre 5% nominais e 7%, na virada para 2021. No caso, os juros reais estariam em 3%.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.