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José Paulo Kupfer

Ataque de Trump ao aço pode ter mais impacto político do que prático

José Paulo Kupfer

02/12/2019 12h35

A manhã desta segunda-feira (2) chegou com uma bomba econômica. Pelo Twitter, o presidente americano Donald Trump anunciou a imposição de tarifas ao aço e ao alumínio brasileiros exportados para os Estados Unidos. A medida retaliatória seria uma reação, na justificativa de Trump, a manipulações com a taxa de câmbio para desvalorizar o real ante o dólar.

Tanto a acusação é absolutamente infundada, quanto os impactos iniciais da medida parecem não ser tão graves quanto dariam a entender. Um sinal de que o impacto sobre as exportações não seria tão devastador veio da Bolsa brasileira. Ela abriu em alta, com ações de siderúrgicas até subindo. No mercado cambial, a cotação do dólar abriu a sessão em baixa.

Há razões técnicas para a reação moderada inicial nos mercados brasileiros, mas não se pode escapar da constatação de que a medida tem forte valor político e simbólico. E esse valor é adverso para o Brasil. Vai pôr à prova, por exemplo, a qualidade das relações pessoais entre Trump e o presidente Jair Bolsonaro, tão alardeadas pelo brasileiro. Nesta manhã, Bolsonaro declarou ter canal aberto com Trump para tratar do assunto.

São variados os motivos que sustentam a constatação de que o peso da medida tende a ser mais político do que prático. O primeiro deles é que, num mundo que se torna crescentemente anti-livre comércio internacional, refletindo a guerra comercial entre EUA e China, as duas maiores potências econômicas globais, desvalorizações da moeda local podem não operar mais, necessariamente, como estímulo a exportações. Resumindo, o eventual efeito negativo de uma desvalorização cambial na trajetória da inflação pode não ser compensado por um aumento nas exportações.

Outra constatação é a de que o aliado preferencial do governo Bolsonaro não está minimamente preocupado com alianças que considera periféricas. Com crescente frequência, as guerras comerciais de Trump estão sendo entendidas como a ponta de um iceberg onde a parte sob a água esconde cruenta disputa tecnológica pelo domínio dos novos e revolucionários usos da Inteligência Artificial e da robótica, por meio das redes de comunicação 5G. Em breve, de fato, esse será o padrão de conectividade para infraestrutura civil e militar, tema crítica e sensível do ponto de vista da segurança nacional.

Além disso, Trump não entende de política cambial, ou melhor, finge não entender, se essa "ignorância" servir de argumento para seus objetivos internos. Nesse sentido, qualquer justificava levantada pelo presidente americano, por mais estapafúrdia que seja, não pode ser descartada, eis a conclusão natural.

É evidente que o governo brasileiro não manipulou a taxa de câmbio. O regime cambial no Brasil é o flutuante e, embora regimes de câmbio flutuante também possam ser administrados, isso é muito mais típico e fácil onde vale o câmbio fixo, como na China. A taxa de câmbio se desvalorizou no Brasil por razões econômicas e financeiras. E o Banco Central vem tentando, diferentemente do que alega Trump, conter essa tendência.

É ainda possível que a imposição de tarifas seja um blefe para ajudar Trump a enfrentar seus problemas domésticos, como o processo de impeachment, que avança na Câmara dos Deputados. Ou que venha a ser uma medida protecionista para inglês ver, sem maiores impactos práticos.

O Brasil exporta 44% de sua produção de chapas de aço e alumínio para os Estados Unidos. Até agora, no acumulado de 2019, as vendas brasileiras aos EUA não passaram de 13% das importações americanas. Além disso, o valor das exportações brasileiras em 2019 não estão superiores ao exportado em 2018. Assim, as cotas anteriormente impostas por Trump ao aço e ao alumínio não já não teriam impacto significativo este ano. Vale notar também que alguns grandes fabricantes brasileiros, caso da Gerdau, já produzem nos Estados Unidos. Cerca de um quarto dos resultados da companhia vêm de lá. 

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.