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José Paulo Kupfer

Correção de erros nos juros sustenta apostas de mais cortes na taxa Selic

José Paulo Kupfer

09/12/2019 04h00

É quase consenso entre os analistas que o Copom (Comitê de Política Monetária), colegiado que reúne os diretores do Banco Central, aplicará mais um corte de 0,5 ponto porcentual na taxa básica de juros (taxa Selic), na reunião marcada para esta quarta-feira (11). Caso a aposta se confirme, os juros básicos da economia encerrarão 2019 em 4,5% nominais ao ano, menor nível desde a adoção do regime de metas de inflação, há 20 anos.

Muitos poderiam se perguntar como o Copom vai continuar reduzindo a Selic diante da escalada na cotação do dólar, dos choques de oferta de proteínas animais e das análises que apontam um início de retomada mais vigorosa da atividade econômica. São todos fatores que, em situações normais, pressionariam a inflação para cima e, portanto, deveriam ser inibidos por um freio nos juros.

A resposta pode ser encontrada na base deprimida em que se encontra a economia e nos erros da própria política de juros, que contribuiu para manter a atividade econômica em ponto baixo desde a saída da recessão, em fins de 2016. A recuperação que se observa ainda não parece forte o suficiente para preencher a enorme diferença que se abriu, do início da grande crise em 2014 até agora, entre a produção efetiva e a capacidade produtiva da economia. Depois de três do fim oficial da recessão, a produção econômica ainda está mais de 3% abaixo do pico anterior ao início da crise.

Baseada nessa diferença, a economia tem espaços para avançar sem pressionar a inflação. A ociosidade,  refletida, de um lado, na taxa de desemprego e de subutilização da força de trabalho, e, de outro, na baixa utilização de construções, máquinas e equipamentos, é a expressão prática desse hiato de produção, que mantém a inflação dormitando. Mesmo com pressões cambiais e choques de oferta, que tendem a elevar preços em condições normais, inexistem, na prática e no curto prazo, riscos de a inflação superar o centro da meta.

Reduzir mais um pouco a taxa Selic ajudará também a corrigir o erro da política monetária, que mantém a inflação abaixo do centro da meta desde 2017 até agora. No sistema de metas de inflação, desvios em relação ao centro, quando se tornam sistemáticos, evidenciam falhas na condução da política de juros. Incluíndo 2019, em que as projeções para a inflação só depois dos choques de novembro, avançaram de 3,5% para 3,9%, serão três anos de inflação abaixo ou bem abaixo do centro da meta.

Um simples exame no histórico mais recentes da evolução da taxa básica de juros é suficiente para mostrar a insistência do BC no erro. O atual ciclo de cortes na taxa básica de juros é o mais longo nos 20 anos do sistema de metas. A taxa Selic havia permanecido em 14,5% ao ano de julho de 2015 a agosto de 2016. Iniciou, então, no mês seguinte, uma descida em desabalada carreira.

Num período de um ano e quatro meses, de novembro de 2016 a março de 2018, o BC derrubou a taxa básica em todas as reuniões do Copom. Ao longo de 2017, registrou-se uma sucessão de incomuns cortes de 1 ponto porcentual, que ajudaram a encolher os juros Selic pela metade, de 13,75% para 6,5%. Não por coincidência, comprovando que os cortes de juros estavam atrasados, a inflação terminou 2017 em 2,95%, abaixo do piso da meta, cujo centro estava definido em 4,5%, com margem de 1,5 ponto para cima ou para baixo. E fechou 2018 com alta de 3,75%, também abaixo do centro, fixado em 4,5%.

Errar na política monetária (política de juros), mantendo a inflação abaixo da meta definida, não é algo sem custos. Ao contrário, traz ônus pesados para a economia e a sociedade. Os economistas Bráulio Borges e Ricardo Barboza, em artigo publicado na Folha, neste sábado (7), mostram alguns desses ônus.

Além de manter o "desemprego acima do patamar que vigoraria se meta estivesse sendo cumprida", escrevem Borges e Barboza, desvios na meta de inflação "afetam, negativamente, o potencial de crescimento da economia, por diversos canais". Segundo eles, quanto mais se persiste numa situação de subutilização dos fatores produtivos, como tem sido o caso brasileiro desde 2015/16, maior o risco de fuga de cérebros, de erosão das habilidades da mão da obra e de obsolescência de máquinas e equipamentos.

Num quadro de restrições fiscais, em que a política de controle de gastos públicos impõe contração à atividade econômica, a demora em ajustar a política de juros ao objetivo de trazer a inflação para o centro da meta prejudica ainda mais a recuperação da economia. Quando mais permitir que a inflação se acomode abaixo do centro da meta, mais o BC estará contribuindo para manter a economia em banho-maria.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.