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José Paulo Kupfer

Tendência é dólar acima de R$ 4,20, mas isso não preocupa, diz especialista

José Paulo Kupfer

10/12/2019 04h00

Ao longo de todo o ano de 2019, a cotação do dólar nunca esteve abaixo de R$ 3,60. Chegou em R$ 4, em maio, passou de R$ 4,10, em agosto e alcançou um pico de R$ 4,26, em fins de novembro. O Banco Central fez intervenções, mais fortes na reta final do ano, mas, de fato, atuou apenas para evitar excesso de volatilidade.

Mesmo com uma alta que, no momento mais tenso, elevou a desvalorização da moeda brasileira ante o dólar a 10% no ano, a transmissão dessa alta para a inflação foi branda, assim como o impacto sobre as contas externas não chegou a acender luzes vermelhas. Mas o fato é que esse ciclo de alta do dólar tem alguns componentes mais estruturais. Tem havido queda no ingresso de capitais externos de curto prazo e frustrações com o apetite de investidores estrangeiros em aplicar no país.

No lado comercial, os fluxos internacionais, num ambiente de incertezas e aumento do protecionismo, com destaque para a guerra de tarifas e ameaças cambiais entre Estados Unidos e China, vivem um período de retração. Também em retração se encontram parceiros brasileiros importantes, sobretudo nas vizinhanças da América Latina. Tudo somado, as tendências são de redução dos fluxos de dólares para o país.

O economista Simão David Silber, professor da Faculdade de Economia, da Universidade de São Paulo, não vê, porém, a formação de um quadro preocupante. Especialista em economia internacional, com longa experiência no acompanhamento das contas externas brasileiras, Silber considera que a alta relativa do dólar é consequência de um novo ambiente econômico que o país está começando a conhecer.

"Quando a política de juros fica mais frouxa e as restrições nas contas públicas exigem uma política fiscal mais apertada, um resultado natural é uma taxa de câmbio mais desvalorizada", explica ele.  Mas, para o economista, a cotação mais alta do dólar não terá impactos relevantes nem no balanço em transações correntes nem nos níveis de inflação.

Nesse quadro sob relativo controle, para Silber, o estilo belicoso de governar do presidente Jair Bolsonaro, que se reflete numa política externa ideológica, prejudicial ao desenvolvimento de relações comerciais, é um elemento dificultador adicional. "É um governo que se parece com uma enceradeira descontrolada", diz ele.

Na entrevista a seguir, o professor Simão Silber detalha as mudanças pelas quais, na sua visão, as contas externas estão passando:                                                       

*

A marcha das contas externas é preocupante?

Não vejo como preocupante por várias razões. O Banco Central dispõe de instrumentos para diminuir as volatilidades de curto prazo no mercado cambial. No prazo mais longo, uma mudança de patamar da taxa de câmbio, para um ponto mais elevado, é perfeitamente compatível com o novo ambiente econômico que temos atualmente.  

Que novo ambiente é esse?

Aconteceram grandes mudanças na economia doméstica, com implicações sobre a taxa de câmbio. Uma das mais importantes é que a nova taxa de juros de longo prazo, a TLP, ao contrário da TJLP, não embute subsídios. Além disso, houve uma redução dramática do volume de crédito subsidiado e o mercado de capitais privado se recuperou rapidamente. Esse novo ambiente permitiu que o Banco Central cortasse bastante a taxa básica de juros e os cortes ainda não terminaram.

Temos agora uma situação em que a política monetária é mais frouxa, enquanto as restrições nas contas públicas determinam uma política fiscal mais apertada. Em qualquer modelo econômico, com essa combinação, a taxa de câmbio fica mais depreciada e a cotação do dólar mais elevada. Quanto ao déficit externo, ele vai ser aquele que for financiável.

Qual seria um déficit externo financiável?

O déficit em transações correntes está rodando um pouco acima de 2% do PIB. Não gosto muito dessa comparação, por cotejar momentos diferentes, mas, para facilitar, a taxa de câmbio deu problema quando o déficit externo chegou ao dobro do tamanho atual, quando alcançou 4% do PIB. No padrão de hoje, equivaleria a um déficit entre US$ 80 bilhões e US$ 90 bilhões. Mas, atualmente, além de alto volume de reservas, o Banco Central conta com um mercado futuro de câmbio para enfrentar turbulências.

Sabendo que o exercício de prever taxa de câmbio é um exercício inventado para humilhar economistas, seria possível determinar uma taxa de equilíbrio para o futuro próximo?

Equilíbrio no câmbio não existe. O equilíbrio se dá a cada minuto. Por que a cada minuto? Porque, se acirrar, por exemplo, um confronto do Irã com a Arábia Saudita, já mudou a taxa de câmbio de equilíbrio. A única coisa que dá, honestamente, para falar, é que, em 2020, a taxa de câmbio tem de ser maior do que a atual. Quanto maior, porém, não dá para ter a menor ideia.

Deverá ser um pouco maior do que R$ 4,20 por dólar?

Eu imagino que sim. Não podemos nos esquecer que, aqui do nosso lado, na América Latina, mais especificamente na América do Sul, há turbulências que podem levar a uma taxa de câmbio mais alta. A situação na América Latina se complicou recentemente.

Por mais que nós, brasileiros, achemos que somos diferentes, para investidores externos, somos gatos tão pardos quanto nossos vizinhos. A tendência, que já estamos observando, de redução de entrada de capitais é bem clara. Na medida em que os marcos regulatórios brasileiros não se definem melhor, e não se consegue avançar na área de concessões, parcerias etc., o ingresso de capitais não se dará de modo rápido e isso significa que a taxa de câmbio deve ficar mais depreciada.

Por fim, não podemos esquecer que a economia americana está crescendo há 11 anos, no ciclo de expansão mais longo desde a Segunda Guerra, com o desemprego mais baixo em 75 anos. O Federal Reserve (banco central americano) é o único BC com juros positivos entre os desenvolvidos. Reflexo de tudo isso, o dólar se valorizou 25% com relação às principais moedas em oito anos. Mais uma razão para a nossa moeda estar e ficar depreciada.

Uma taxa de câmbio nesse entorno de R$ 4,20 por dólar mexe com variáveis da economia — mais pressão sobre a inflação, mais estímulos a aumentar saldos comerciais — ou não tem essa capacidade?

Estou mais propenso a achar que não mexe com nada. Por uma razão muito simples. No curtíssimo prazo, o crescimento do comércio mundial é nulo. Se o céu do comércio exterior fosse de brigadeiro, um câmbio mais desvalorizado talvez estimulasse exportações, mas como está e com as incertezas existentes não imagino que o câmbio mais alto possa mexer na balança comercial. Com os Estados Unidos colocando barreiras às nossas exportações, a Argentina quebrada, a China desacelerando mais rápido do que se esperava, esse câmbio não faz cócegas.

E com relação à inflação?

Também acho que não. A inflação está bem controlada porque o governo saiu do mercado, a contribuição líquida do gasto do governo para o crescimento é negativa. Além disso, mesmo com crescimento mais forte em 2020, ali por 2,2% ou 2,3%, talvez a economia volte para os níveis de 2014, e isso em termos absolutos. Em termos per capita, só lá para 2022 ou 2023 retornaremos aos níveis pré-crise. Para que o câmbio produzisse pressão inflacionária mais forte, teria de se estar às voltas com algum excesso de demanda, o que não existe. Ao contrário, há insuficiência de demanda.

Com todos esses problemas na economia global e aqui na vizinhança é possível prever uma tendência de redução dos saldos na balança comercial?

Sem dúvida alguma. Neste ano e no próximo, com certeza. Para 2020, podemos prever saldos ainda menores do que em 2019. Para 2021, aí já não saberia dizer.

Não podemos esquecer que para cada 1% de redução no crescimento da China, nossas exportações perdem entre 0,25% e 0,30%, e a China está desacelerando. Como as importações devem aumentar porque a economia vai crescer um pouquinho mais e alguma coisa o governo liberalizou nas compras do exterior, o superávit comercial será mesmo menor. Deve ficar entre US$ 35 bilhões e US$ 40 bilhões.

Isso afetaria de modo expressivo o conjunto do balanço em transações correntes?

Simplificando, podemos dizer que a balança comercial depende do mundo. Já a parte de rendas e serviços são contratuais, é uma parte relativamente estável e fixa das transações correntes. Então, se cair o superávit comercial, aumenta o déficit em transações correntes.

Os grandes componentes das transações correntes, excetuado o comércio, são remessas de lucros e pagamento de juros. Desde 1947, rendas e serviços sempre foram itens negativos nas contas externas brasileiras. Esses itens devem produzir um déficit de US$ 70 bilhões. Então, descontado o superavit comercial, o déficit em transações correntes deve girar em torno de US$ 30 bilhões e US$ 35 bilhões.

Os investimentos diretos estrangeiros continuarão cobrindo sem problemas esse déficit?

Os investimentos diretos estão em queda, mas não ao ponto de não cobrir com folga o déficit em transações correntes. Os ingressos fecharam 2018 na altura de US$ 76 bilhões e, até outubro de 2019, encolheram US$ 20 bilhões, para US$ 56 bilhões.

Houve uma queda abrupta na entrada de recursos para aplicação no mercado financeiro porque, com os cortes nos juros básicos, mesmo com as taxas externas em níveis muito baixos, houve um estreitamento da diferença entre os juros internos e externos, reduzindo as taxas de arbitragem. Além disso, as turbulências sociais recentes na América do Sul, principalmente no Chile, assustaram os investidores.

O saldo da história toda é que as transações correntes pioraram e o regime de câmbio flutuante fará com que o ajuste se faça com uma taxa de câmbio mais desvalorizada. Isso será reforçado pela menor entrada de capitais externos, no curto prazo. No médio prazo, dependerá do marco regulatório. Se os investidores não estiverem seguros de que as regras valerão por muitos e muitos anos, podem ficar mais ariscos.

Nesse sentido, o estilo belicoso do presidente Bolsonaro, que se reflete numa política externa muito ideológica, não é uma barreira a mais?

Eu considero que os passeios aleatórios do governo, na área externa, prejudicam o país e a economia. Dependemos da China, mas nos alinhamos unilateralmente aos Estados Unidos. Fechamos um acordo com a União Europeia, mas negligenciamos as questões ambientais e trabalhistas às quais os europeus dão grande importância. Ficamos trocando provocações com a Argentina, nosso terceiro parceiro comercial. É um governo que se parece com uma enceradeira descontrolada.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.