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José Paulo Kupfer

Brasil tem boa avaliação, mas investidores levam dólares embora; por quê?

José Paulo Kupfer

18/12/2019 04h00

O custo do CDS (contrato de swap de default de crédito, na sigla em inglês) de 5 anos para o Brasil bateu no seu menor nível desde novembro de 2010, chegando a ficar abaixo de 100 pontos. O CDS, um título financeiro que funciona como proteção contra calotes da dívida externa, costuma ser associado ao grau de confiança dos investidores externos numa determinada economia. Quanto mais baixo o custo do CDS, maior seria a confiança dos investidores no bom desempenho econômico daquele país.

Ao descer abaixo de 100 pontos pela primeira vez em nove anos, o CDS estaria sinalizando aumento robusto da confiança dos investidores na economia brasileira. Por esta razão, a marca foi comemorada pelo governo e mereceu um comentário efusivo do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Jorge de Oliveira Francisco, no Twitter. Na avaliação do ministro, o resultado indica que o Brasil tem se tornado "cada vez mais propício para a geração de empregos e o investimento". 

Não deixa, contudo, de ser um paradoxo que, enquanto o CDS recua a níveis mínimos, a saída de recursos externos caminha para níveis máximos. Os investidores estão levando os dólares embora, e a saída recorde de recursos em moeda estrangeira poderia refletir falta ou perda de confiança na economia brasileira. Entre janeiro e novembro, em 2019, segundo dados do Banco Central, US$ 27 bilhões foram repatriados. É o maior volume de saída de recursos externos desde que a informação é oficialmente acompanhada, há quase quatro décadas.

Saídas em massa de recursos, anteriormente, ocorreram em momentos de crise econômica, o que não é o caso agora, uma vez que a economia, embora em passo muito lento, dá mostras de recuperação. Em 1999, ano da substituição do regime de câmbio fixo pelo flutuante, no mesmo período de janeiro a novembro, US$ 16,3 bilhões deixaram o país. Três anos depois, nas vésperas da primeira eleição de Lula, foram repatriados US$ 11,5 bilhões. Nos últimos 38 anos, apenas em oito deles o saldo entre ingressos e saídas de recursos externos foi negativo, no acumulado do ano até novembro. 

Desse duplo recorde atual em sentidos opostos fica claro que o CDS não reflete, exatamente, maior ou menor confiança na economia. O mesmo ocorre, por exemplo, com o Embi+ (Emerging Markets Bonds Index Plus, na sigla em inglês), calculado pelo banco de investimento J.P. Morgan, outro indicador de risco de calote da dívida externa. O indicador reflete uma ponderação das cotações dos títulos de países emergentes, mas também é visto como sinal ou não de confiança numa economia. O Embi+ já bateu em 2 mil pontos, na transição de FHC para Lula, e agora anda abaixo de 250 pontos.

 com alguma liberdade de interpretação se poderia dizer que baixo risco de calote expressa confiança no futuro da economia de um devedor. Seria provavelmente impróprio, por exemplo, concluir que as economias do México e da Colômbia estão, no momento, em melhor situação do que a do Brasil apenas porque o CDS do México está em 74 pontos e a da Colômbia abaixo de 70 pontos, ambos menores do que o do Brasil.

Nos períodos em que o CDS e o Embi+ flutuaram em níveis altos, a situação das contas externas brasileiras era bem diferente da atual. Se hoje o país é credor em moeda estrangeira, com volumes elevados de reservas internacionais e dívida externa proporcionalmente pequena, o inverso ocorria então. Com reservas mirradas e pesadas dívidas externas, o risco de calote era uma sombra concreta nas decisões de investidores estrangeiros, que, por isso, aceitavam pagar mais caro para se proteger dessa possibilidade, com o "seguro" de papéis como o CDS.

Outra diferença fundamental entre aqueles tempos e os atuais explica a presente saída recorde de recursos externos,  sobretudo os aplicados no mercado financeiro brasileiro. Nunca foi tão estreita a distância entre as taxas básicas de juros determinadas pelo Banco Central e as taxas de referência no exterior, principalmente nos Estados Unidos. Quando mais apertada fica essa diferença, menos atrativo para capitais externos mais especulativos se torna o mercado financeiro do país emergente.

Enquanto o diferencial de juros era grande o suficiente para compensar os vaivéns da cotação do dólar, os investidores traziam recursos para o Brasil, ainda que a economia pudesse não estar lá essas coisas. Trazer dólares, convertê-los em reais, aplicar em ativos financeiros, obter lucros em reais e remeter o resultado, depois de converter o ganho em dólares, era o processo usado na chamada arbitragem de taxas de juros.

Com o estreitamento da diferença de juros, os ganhos também se estreitaram. E com a recente aceleração das desvalorizações do real ante o dólar, o valores remetidos, depois de convertido na moeda estrangeira, se tornaram mais minguados. É o que explica o caminho de volta que os dólares estão fazendo, no momento. Tudo considerado, é exagerado classificar os movimentos dos indicadores de risco da dívida externa como sinais absolutos de confiança ou falta de confiança na economia brasileira

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.