Como proteger a economia do coronavírus: reformas ou mais gastos públicos?
Depois da "segunda sangrenta", os mercados financeiros viveram uma etapa de ajustes, na terça-feira (10), limpando os pregões de exageros do dia anterior. Isso não quer dizer que a recuperação das perdas seguirá, a partir agora, um caminho reto e positivo. O risco de turbulências – e turbulências fortes – não foi eliminado.
Continuam prevalecendo as incertezas. Quando as incertezas prevalecem, duas questões emergem. Em primeiro lugar, não é possível traçar trajetórias seguras para o futuro. Depois, oscilações e volatilidades ficam piscando no radar. Enquanto a propagação do novo coronavírus, causador da doença respiratória Covid-19, continuar em alta, como se observa neste momento, qualquer avaliação sobre as tendências da economia só podem ser classificadas como especulação.
Mesmo sem saber a extensão das restrições à circulação de pessoas, mercadorias e prestação de serviços causadas pela doença – e, portanto, sem ter como determinar o tamanho do problema -, é certo que a atividade econômica, seja no exterior ou no Brasil, será negativamente afetada. Se o impacto configurará uma nova recessão ou "apenas" uma desaceleração de um crescimento que já se mostrava modesto, só o conhecimento da amplitude e da duração da epidemia do Covid-19 permitirá dizer.
No Brasil, esse ambiente caracterizado por dúvidas tornou-se terreno fértil para polêmicas entre economistas. O mais aceso debate do momento gira em torno de uma pergunta: o que vai proteger mais eficientemente a economia dos efeitos da epidemia do novo coronavírus são as reformas (tributária e administrativa) ou uma retomada dos gastos públicos?
As reformas são necessárias, mas é difícil entender como elas podem ser uma saída eficiente contra os problemas causados pelo choque de oferta. Esses problemas pedem soluções de curto prazo e reformas demandam tempo para serem aprovadas – e mais tempo ainda para surtirem efeitos.
A segunda opção esbarra numa regra constitucional recente, a lei do "teto de gastos", promulgada como emenda constitucional, com validade de 20 anos, em fins de 2016. Pela lei, fica vedado aumentar despesas públicas em termos reais, visto que o montante de gastos de um ano só pode crescer no ritmo da inflação do ano anterior.
A lei é uma barreira à antiga e tentadora receita de liberar recursos públicos, afrouxando controles fiscais, quando uma crise aguda se instala na economia. Não é por coincidência que, com o apoio até mesmo do FMI (Fundo Monetário Internacional), reduto do pensamento econômico ortodoxo, países com crônicos desequilíbrios fiscais decidiram afrouxar controles e injetar dinheiro na economia. É o caso da Itália, maior foco até aqui de coronavírus na Europa, apesar da situação fiscal lamentável em que o país se encontra.
Mesmo sem a pressão por gastos públicos derivada do coronavírus, o limite imposto pelo teto de gastos já estava prestes a ser rompido, com as áreas cruciais de saúde e educação à beira do estrangulamento, se não em 2020, certamente em 2021. Abrir espaços nos limites do teto, liberando investimentos e recursos extraordinários para a Saúde, algo que talvez venha a ser inevitável, exigiria mexer na lei.
A discussão é técnica, mas tem um viés ideológico. A ideia do teto de gastos deriva da convicção de que a atuação do Estado na sociedade – e, especificamente, na economia – deve ser reduzida, abrindo espaços a serem ocupados, de forma mais eficiente, pela iniciativa privada. Obra do governo Temer, o teto de gastos é a materialização dos sonhos do ministro Paulo Guedes a respeito do modo de funcionamento de uma economia.
Poucos temas na economia brasileira produzem mais divergências do que o teto de gastos. As discordâncias começam com a necessidade ou não de inscrevê-lo com cláusula constitucional, prosseguem com debates sobre sua duração – 20 anos, com revisão no décimo – e avançam até sua função como elemento chave da redução das taxas básicas de juros.
Para os defensores do teto, é uma suposta credibilidade conferida à política fiscal, estabelecida pelo teto, que permitiu trazer os juros para seu nível histórico mais baixo. Já para os críticos, o principal fator de cortes nos juros se prende à recuperação econômica medíocre e mais lenta conhecida, pouco ou nada tendo a ver com o teto.
São várias as propostas para mexer no teto de gastos. Vão desde a sua simples e sumária eliminação ao uso, permitido pelo mecanismo, de créditos extraordinários, que poderiam ser usados em situações inesperadas ou emergenciais – um surto de coronavírus, por exemplo. No meio do caminho, diversas sugestões de flexibilização do teto podem ser listadas.
A maioria dessas propostas enfatiza a retirada dos investimentos dos limites de gastos impostos pelo teto. É assim que o princípio do teto de gastos opera em uma bom número de países que adota a regra. Mas aqui, a ideia de liberar o governo para investir em infraestrutura, irrigando a economia, pode resultar em frustração.
Quase insuperáveis são as travas burocráticas e a perda de capacidade do poder público de desenhar bons projetos de investimento, em meio a inseguranças jurídicas e ao "apagão das canetas" (o temor dos funcionários públicos de assinar qualquer documento que possa ser usado para incriminá-los). Em resumo, mesmo que o teto possa ser flexibilizado e os recursos mobilizados, o efeito sobre a economia pode ser perder na emaranhado paralisante do setor público.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.