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José Paulo Kupfer

Recursos necessários para Saúde e mais vulneráveis podem chegar a R$ 300 bi

José Paulo Kupfer

18/03/2020 01h46

A decretação do "estado de calamidade" até o fim de 2020, solicitado pelo Poder Executivo ao Congresso Nacional, abre espaço ilimitado para que o governo destine recursos à proteção de empresas, trabalhadores e população mais vulnerável, assim como ao reforço do sistema de saúde. É uma forma de mitigar os dramáticos impactos sanitários, sociais e econômicos que a propagação do Covid-19 no Brasil sem qualquer dúvida irão provocar.

Com o "estado de calamidade", o governo fica desobrigado de cumprir a meta fiscal, atualmente fixada num déficit primário de R$ 124 bilhões, em 2020. Com o inevitável alastramento da epidemia de Covid-19, a combinação de imensas pressões por mais gastos públicos com redução de arrecadação, determinada pelo forte queda na atividade econômica que se avizinha, tornou irreal a ideia de manter qualquer meta fiscal.

Ao pedir a liberação do cumprimento da meta fiscal, o Planalto se antecipou a uma iniciativa do próprio Congresso. O senador José Serra (PSDB-SP) já anunciara que preparava um decreto legislativo com esse objetivo. Até então, os técnicos do ministério da Economia cogitavam apenas alterar a meta fiscal do ano. A possibilidade de descumprir metas fiscais, em razão de calamidades públicas, está prevista na LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).

Cálculos preliminares, obtidos na equipe do ministro Paulo Guedes pelo jornal "O Estado de S. Paulo", apontavam a necessidade de um déficit primário de R$ 200 bilhões, neste ano, para cobrir aumentos do gasto público e quedas na arrecadação, previstos com a crise do. Mas o buraco pode ser bem maior, uma vez que as contas se basearam em premissas já superadas. Por exemplo, o preço do barril de petróleo a cerca de US 60, quando já anda pela metade desse valor e o crescimento da economia, ainda acima de 2%, quando crescem a cada as projeções de uma nova recessão em 2020.

Até aqui, em resposta ao Covid-19, além de ampliar a capacidade de empréstimo de bancos a empresas e famílias em dificuldades, o governo havia mobilizado R$ 150 bilhões para manter a atividade econômica, atender vulneráveis, socorrer empresas e proteger trabalhadores. Mas desde logo ficou claro que esse primeiro pacote estava completamente fora da realidade do que seria exigido em recursos ante

Formado na sua quase totalidade por antecipações de pagamentos (13o. salário de aposentados e abono salarial) ou adiamentos temporários de cobrança de tributos (impostos e taxas do regime Simples) – ou seja, pouco dinheiro novo estava entrando na roda -, o pacote atende principalmente a quem tem renda garantida (aposentados) e trabalhadores formais. De toda forma, era um avanço em relação a declarações de Guedes, nem mais de cinco dias atrás. "Se promovermos as reformas", pontificou então o ministro, "com 3 bilhões, 4 bilhões ou 5 bilhões a gente aniquila o coronavírus".

É possível que sejam exigidos umas cem vezes os valores declaradas pelo ministro fanfarrão para mitigar os impactos devastadores previstos na produção, vendas, emprego e negócios informais. Apoio digno do nome à Saúde, aos mais pobres, vulneráveis, informais e pequenos empresários, além da ajuda a setores às voltas com colapso de suas atividades, como o de transporte aéreo, podem somar pelo menos R$ 300 bilhões, o dobro do pacote de Guedes e o equivalente a 4% do PIB.

Esse é o montante imaginado pela economista Monica de Bolle, pesquisadora do PIIE (Peterson Institute for International Economics) e professora da Johns Hopkins University. Radicada na capital americana, Washington, Monica tem presença ativa e destacada no debate da política econômica no Brasil. "Esse total é metade do que se gastava com juros da dívida pública quando eram altos", lembra ela.

Seu pacote prevê reforço de R$ 50 bilhões para a Saúde, suplemento de 50% para o Bolsa Família e R$ 30 bilhões para ajuda a setores econômicos em dificuldades. O ponto mais abrangente, que absorveria recursos da ordem de 2,7% do PIB, é a ideia da concessão de uma renda básica mensal de R$ 500 por 12 meses para 36 milhões de pobres inscritos no Cadastro Único, mas fora do Bolsa Família, e R$ 30 bilhões para ajuda a setores econômicos.

O volume de recursos que a economista sugere mobilizar dá bem a dimensão do tamanho do problema que terá de ser enfrentado com o avanço do Covid-19 no Brasil.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.