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Inflação ainda abaixo da meta faz BC reforçar corte nos juros básicos

José Paulo Kupfer

11/12/2019 19h38

Um choque de oferta, com origem no aumento das exportações de carnes para a China, empurrou para cima as projeções da inflação em dezembro e no conjunto de 2019. Outras eventuais pressões sobre preços derivaram da recente escalada das cotações do dólar. Há ainda a perspectiva, alimentada pelo próprio governo, de recuperação mais acelerada da atividade econômica, o que, em certas circunstâncias, também concorre para pressionar preços.

Mas nada disso, contudo, foi capaz de impedir o Copom (Comitê de Política Monetária), colegiado que reúne os diretores do Banco Central, de cortar a taxa básica de juros (taxa Selic) em mais 0,5 ponto percentual, trazendo-a para 4,5% nominais ao ano, seu nível mais baixo desde a introdução do sistema de metas de inflação, há 20 anos. A decisão desta quarta-feira (11) foi unânime e só deixou em aberto se o atual ciclo de redução dos juros básicos, o mais longo conhecido, que teve início novembro de 2016, ainda comportará novos cortes em 2020.

A redução decidida pelo Copom era amplamente esperada pelos analistas de mercado. A dúvida remanescente, que cresceu com as altas no câmbio e na redução na oferta de alimentos, era até onde poderia ir a poda nos juros básicos. Desta vez, o comunicado divulgado no encerramento da reunião não apontou uma direção clara para a trajetória futura dos juros básicos. No entanto, analistas especulam ser possível um último corte, no atual ciclo, para 4,25%, em fevereiro.

As razões para que o Copom continuasse a reduzir a taxa Selic agora em dezembro, ante um quadro econômico para a inflação um pouco menos benigno do que o existente até outubro, não são difíceis de encontrar. O primeiro — e mais importante — é que, mesmo com a atividade mais animada, a diferença entre a capacidade produtiva da economia e a produção efetiva ainda é bastante ampla.

O que, no jargão dos economistas, é chamado de "hiato do produto", na média das estimativas, está em torno de 4%. Isso significa que ainda há espaço para cortar os juros e estimular a atividade econômica sem pressionar a inflação. É esse hiato que leva o próprio Copom a considerar que a alta da inflação, nos dois últimos meses do ano, se deve a um choque pontual, que tende a se dissolver com o tempo, e que o passo da alta de preços continua sob controle.

Outro ponto importante diz respeito à sintonia da política de juros com as metas de inflação estabelecidas pelo CMN (Conselho Monetário Nacional). Depois de dois anos em que a inflação ficou abaixo do centro da meta, a situação se repetirá, pelo terceiro ano, em 2019. Em 2017, a inflação ficou abaixo do piso do intervalo de tolerância do regime de metas, encerrando 2018 mais perto do piso do que do centro. Em 2019, terminará próxima à meta em função do choque de oferta de carnes, no fim do ano. Sem esse evento, a alta de preços, segundo projeções, não atingiria 3,5%, para uma meta de 4,25%.

No sistema de metas, desvios pontuais da trajetória da inflação são aceitáveis. Tanto que o próprio sistema estabelece um intervalo de tolerância, no caso brasileiro de 1,5 ponto percentual abaixo ou acima do centro da meta, para que a política de juros acomode choques e variações da inflação.

Desvios sistemáticos, porém, ajudam a distorcer o comportamento da economia. Quando colocam a inflação abaixo do centro da meta, por exemplo, colaboram para manter mais alta tanto a taxa de desemprego quanto a subutilização da capacidade de produção instalada. Com o tempo, a mão de obra desempregada tende a perder habilidades obtidas no próprio trabalho, ao mesmo tempo em que máquinas, equipamentos e processos vão se tornando obsoletos. 

Com a decisão de mais uma vez cortar a taxa Selic, o Copom objetiva também tirar o atraso da política de juros em relação a seu objetivo de pôr a inflação no centro da meta. Sem a contribuição da política fiscal, amarrada pelos desequilíbrios das contas públicas, cabe à política de juros estimular a economia — o que, no que se refere ao escopo da atuação do Banco Central, significa trazer a inflação para o centro da meta.

Com a decisão de cortar os juros básicos, o Copom dá margem para que a taxa de câmbio engate naturais pressões altistas. É que o regime de câmbio flutuante funciona como vaso comunicante com a política de juros. Assim, aumentos de juros tendem a valorizar o real ante o dólar e o inverso se dá com cortes nos juros.

Isso ocorre porque, quando a diferença entre a taxa básica doméstica e os juros internacionais, mais exatamente as taxas de referência determinadas pelo Federal Reserve (banco central americano), se estreita, menos atraente se torna a aplicação de recursos internos na economia local, e menos dólares ingressam na economia, elevando a taxa de câmbio. Com o corte desta quarta, a diferença se estreitou porque, no mesmo dia, o Federal Reserve manteve sua taxa de juros inalterada, em relação ao nível anterior, mantendo-a entre 1,5% e 1,75% ao ano.

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Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

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Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.


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