Com ou sem teto de gastos, chegou a hora de reformar o serviço público
A polêmica em torno da necessidade de mexer ou não no teto de gastos, alimentada inclusive pelo presidente Jair Bolsonaro, e as ameaças de apagão em série no serviço público em 2020 desaguaram onde era de se esperar: nas despesas obrigatórias. Impossível, sem dúvida, pensar em controle de gastos sem pôr na roda um conjunto de despesas que consumirá 94% do total das despesas públicas no ano que vem, segundo a proposta orçamentária enviada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Congresso.
Pressionado pelas despesas obrigatórias, que retiram espaço de manejo dos recursos orçamentários, o governo vem, ano após ano, desidratando os gastos não obrigatórios. Na proposta para 2020, os gastos não obrigatórios, que reúnem os investimentos e as despesas de manutenção da máquina pública, somam R$ 90 bilhões, apenas 45% do montante a eles reservados há cinco anos. Nesse montante, já seria muito difícil evitar interrupções nos serviços públicos.
Falar em gastos obrigatórios, no contexto fiscal brasileiro, depois da reforma da Previdência, é quase o mesmo que falar em despesas com pessoal do serviço público. Se a Previdência Social e os benefícios assistenciais lideram a lista dos maiores itens dos gastos públicos obrigatórios, consumindo pouco menos da metade das despesas previstas na proposta orçamentária para 2020, os gastos com o funcionalismo, somando trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas, ocupam a vice-liderança, respondendo por quase 25% do total de despesas previstas.
São 12 milhões de funcionários públicos nas três esferas federativas, o equivalente a 20% da força de trabalho formal, mas a maior pressão não vem do número de servidores, que tem se estabilizado, quando não diminuído em algumas áreas. Vem dos volumes crescentes de salários e benefícios. Da massa salarial total da economia, a fatia dos servidores públicos corresponde a nada menos de 30%.
Considerando todas as esferas do funcionalismo, as despesas com pessoal superam 13% do PIB. É um volume fora da curva dos países latino-americanos, nos quais os gastos com servidores variam entre 8% do PIB e 9% do PIB. Fica acima até mesmo do registrado na média do países ricos, em que a remuneração de servidores consome pouco mais de 10% do PIB.
Além disso, ao longo do tempo, como resultado de pressões e lobbies por aumentos de remuneração e benefícios, o serviço público foi se tornando um cabide de regimes especiais e variados penduricalhos. Só no Executivo Federal existem hoje mais de 300 carreiras diferentes, representadas por 250 entidades profissionais. Detalhe: as mesmas carreiras recebem tratamento diferenciado, dependendo do ministério, inclusive no que toca aos níveis de remuneração.
As diferenças salariais entre servidores dos três poderes e das três esferas federativas são gritantes. A remuneração média no Judiciário federal é quase duas vezes maior do que no Executivo. No Legislativo, a remuneração média fica 60% acima da paga no Executivo.
Enquanto isso, a remuneração média dos funcionários estaduais, nos três poderes, é pouco superior a 50% da recebida na área federal. No caso dos servidores municipais, a remuneração média equivale a um terço da que é paga a seus pares no governo federal.
Ainda que não fosse uma necessidade imposta por crescentes restrições fiscais, reformar o serviço público seria uma imposição para conferir maior eficiência não só ao atendimento à população — 60% dos servidores nas três esferas estão lotados em serviços nas áreas de educação, saúde e segurança —, mas também ao planejamento de políticas e sua execução pelos governos nas três esferas da Federação.
Reformar a administração pública, apesar das óbvias dificuldades do empreendimento, a começar da inevitável reação contrária do funcionalismo, deveria ser pré-condição para a promoção de um ajuste fiscal sustentável e eficiente. Sem essa providência, o risco é continuar gastando, mas pior do que antes. E sem aliviar os conflitos distributivos na sociedade.
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