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José Paulo Kupfer

Governo dribla o próprio discurso e libera dinheiro para estimular consumo

José Paulo Kupfer

18/10/2019 04h00

O sinais ainda não são muito claros e o fôlego pode ser curto. Mas alguma coisa se mexe nas profundezas em que ainda se encontra a economia brasileira. Não se pode dizer, por enquanto, que se trata de um movimento estrutural, capaz de promover uma retomada sustentável da atividade econômica. Parece mais um alívio derivado de impulsos pontuais. De todo jeito, a situação, pelo menos por um tempo, pode melhorar.

Em meio a um esforço essencial de contenção de gastos públicos, o governo Bolsonaro tem atuado, meio disfarçado e sem dizer que este é o foco, no disparo de medidas com o objetivo de injetar dinheiro na economia e ativar uma atividade sem tração há bom tempo. Parece contraditório com o discurso oficial da falta de recursos e da herança de um país quebrado, mas não deixa de ser uma reação mais ou menos esperada.

Não por coincidência, o Ministério da Economia divulgou, nesta quinta-feira (17), uma nota informativa, sob o título "Muito além da Previdência",  listando 17 medidas ou políticas que adotou, nos primeiros nove meses de governo. O documento, de 26 páginas, traz previsão de crescimento de 3,5% para 2020 e de 4%, para 2021 e 2022, se todas as medidas listadas forem concretizadas até o fim de 2019. Tudo bem, podia ser otimista, sem exagerar tanto. 

A divulgação do documento coincidiu com a publicação dos resultados do emprego no mercado de trabalho formal em setembro, apurado pelo Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), também nesta quinta-feira. Mais um sinal promissor, foi o melhor setembro desde o início da grande recessão, no segundo trimestre de 2014. 

Difícil resistir impávido no discurso mais ideológico quando o governante é obrigado a conviver com um persistente estado de quase estagnação, que mantém elevados, por longo período, o desemprego no mercado de trabalho e a ociosidade nas fábricas e lojas. O mal-estar social e político causado por tal situação explica e, de certa maneira, até justifica a incoerência.

Falta pouco para que a lista das principais medidas de estímulo adotadas mais recentemente ocupem todos os dedos das duas mãos. A mais nova, lançada nesta quarta-feira (16), é a MP do Contribuinte Legal, que o governo jura não se tratar de um Refis versão 2019, mas, na prática, funciona como se fosse, dando desconto de até 70% e prazo de pagamento de até meses em renegociações de dívidas com a União. A medida tem como alvo quase 2 milhões de devedores, que carregam em conjunto de dívidas no montante de R$ 1,5 trilhão. O impacto fiscal positivo previsto é de R$ 1,4 bilhão, em três anos.

Antes dela vieram o 13º do Bolsa Família, ainda restrito a 2019, cortes de juros em bancos públicos  caso da Caixa , liberação de depósitos compulsórios no Banco Central, para reforçar linhas de crédito bancário, permissão de saques do PIS/Pasep e do FGTS. Verbas antes congeladas foram descontingenciadas, e há a perspectiva da transferência para União, estados e municípios, até o fim do ano, de gordos recursos do leilão da cessão onerosa de petróleo. 

Acima de tudo isso, porém, a taxa básica de juros nos níveis mais baixos conhecidos — e com tendência a cair ainda mais — tem começado a funcionar como a principal mola propulsora da economia. Ainda que não esteja aliviando todas as modalidades de financiamento, seu impulso tem sido sentido no crédito imobiliário e no crédito consignado, assim como no financiamento de veículos e de outros bens de consumo durável. Nesses segmentos, os volumes estão em visível trajetória de alta.

A troca de empréstimos antigos, com juros mais altos, por novos, de custos mais baixos, tem aberto espaço para alívio dos orçamentos domésticos e elevação do consumo. Esses espaços estão sendo alargados pelo bom comportamento da inflação, que roda em níveis também historicamente baixos, em especial em itens de maior peso para as famílias, como os alimentos consumidos no domicílio.

Com base nesse novo quadro, os analistas da conjuntura econômica estão revendo para cima suas projeções de curto prazo. O Banco Itaú, entre outros, revisou, recentemente, para mais suas estimativas de crescimento nos dois últimos trimestres de 2019 e em 2020.

Economistas do banco, que já chegaram a prever retração econômica no terceiro trimestre, agora projetam alta de 0,5% sobre o segundo trimestre, com o consumo avançando 0,8%. Para o quarto trimestre, a previsão é de alta de 0,7% sobre o terceiro. Nas contas do Itaú, a economia registrará, em 2019, expansão de 1%, ante previsão anterior de crescimento de 0,8%. A projeção para 2020 também avançou, de 1,7%, na avaliação anterior, a 2,2%.

Em artigo recém-publicado no Blog do Ibre, o economista Nelson Barbosa, ex-ministro da Fazenda, no governo Dilma Rousseff, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia – Fundação Getúlio Vargas) e professor na UnB (Universidade de Brasília), calculou que a combinação de estímulos e de restrições fiscais e parafiscais, apontam que o governo injetará na economia, na virada de 2019 para 2020, pelo menos o equivalente a 0,9% do PIB e retirará 0,2% do PIB. O impulso fiscal líquido resultante, de 0,7% do PIB, segundo Barbosa, promoveria acréscimo de 0,7 ponto percentual a 1,1 ponto no PIB de 2020.

Limitações das regras de controle fiscal, principalmente o teto de gastos, no entanto, impedirão a transferência da folga aberta nas contas públicas com as receitas extraordinárias que estão a caminho para os investimentos públicos, com os quais os impulsos na atividade econômica poderiam ser mais eficazes e duradouros. De qualquer maneira, o consumo privado, a partir do alívio nos orçamentos domésticos e do reforço do FGTS, e o consumo dos governos estaduais e municipais, com os recursos do leilão da cessão oneroso, estão contratados para puxar a economia e garantir um ritmo melhor de crescimento pelo menos em 2020.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.