Conflitos no Chile expressam desejo de tornar mais social o modelo liberal
Não parece ter sido uma condenação do modelo econômico liberal, implantado na ditadura militar e mantido pelo Chile mesmo depois da redemocratização, há quase 30 anos, a razão principal para o estrondo com que a panela de pressão social chilena destampou na semana passada. Barreiras à continuidade de ascensão sócio-econômica, acesso desigual a serviço públicos de qualidade e fraco sistema de proteção social estão na base da revolta que tomou as ruas da capital Santiago e se alastrou, no fim de semana, por outras cidades importantes do país.
Pesquisas recentes apontam que os chilenos querem do governo ações para assegurar uma combinação de melhores serviços públicos e mercados mais competitivos. Não se trataria de uma reivindicação pela substituição da economia liberal que prosperou, depois da ditadura do general Augusto Pinochet, com a alternância do poder entre centro-esquerda e centro-direita.
Os violentos conflitos de rua dos últimos dias no Chile não refletem o relativo bom momento econômico — e mesmo social — vivido pelo país. A pobreza recuou, em três décadas, de 40% para 10% da população, e economia, ainda que com sinais na descendente, deve crescer 2,5% este ano, maior alta na América Latina. A inflação é baixa e o desemprego mantém-se estável, apesar de o país ter absorvido, mais recentemente, um milhão de imigrantes, na maioria venezuelanos — o que é muito para uma população de apenas 17 milhões de pessoas.
Mas, no Chile, a desigualdade de renda é alta, mesmo para os padrões latino-americanos, assim como é desigual o acesso à educação e à saúde de mais qualidade. O Índice de Gini, que mede a desigualdade de renda, no caso chileno avançou para 0,50, acima do mexicano e a do argentino, de 0,46, embora abaixo do recordista brasileiro, com 0,55. A desigualdade de renda chilena, medida pelo Gini, é a maior da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico), da qual o Chile faz parte, que, na média, fica em 0,31.
Ao mesmo tempo, a proteção social chilena é falha e restrita. O salário mínimo, de US$ 400/mês, é relativamente baixo, as aposentadorias, com muitas em torno de US$ 200 mensais, são insuficientes e a precarização é uma das marcas do mercado de trabalho. Além disso, a defesa do consumidor é fraca e são frequentes s casos de abuso dos oligopólios em vários setores.
Como descreveu o cientista político Patricio Navia, professor da NYU (New York University) e da universidade chilena Diego Portales, em artigo para o site da revista Americas Quartely, "as expectativas cresceram mais e mais rápido do que a renda da população". Aqui, o fenômeno, independentemente do modelo econômico, se liberal ou de intervenção do Estado, tem sido o mesmo: o processo limitado e interrompido da inclusão social. O conflito chileno expressa o desejo de ampliar o acesso aos benefícios e às oportunidades que o modelo econômico liberal promete proporcionar e raramente entrega.
Dependente das exportações de cobre, commodity sujeita aos humores dos mercados internacionais, e da importação de petróleo, a economia chilena não dispõe de defesas sólidas para enfrentar momentos de desaceleração e incertezas na economia global. A instabilidade latente do quadro econômico acabou potencializada pela insensibilidade política do presidente Sebastian Piñera, de centro-direita, em combinação com a atitude olímpica da elite social e econômica chilena, diante das crescentes dificuldades enfrentadas pela classe média e os mais pobres.
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