Clareza de Guedes em entrevista à Folha se deve mais à entrevistadora
A entrevista do ministro da Economia, Paulo Guedes, à editora de economia da Folha, Alexa Salomão, é excelente. O conjunto forma um roteiro bastante detalhado das intenções ultra-liberais de Guedes. Melhor ainda, mostra um roteiro matizado pelo aprendizado do ministro no convívio com o Congresso, depois da tramitação da reforma da Previdência.
Essa clareza revelada na entrevista se deve mais à jornalista entrevistadora do que ao ministro entrevistado. Um exemplo entre muitos pode ser encontrado na parte em que Guedes volta a defender o regime de capitalização para aposentados.
O ministro argumenta que, rejeitada a capitalização na reforma da Previdência, perdeu-se a chance de aumentar a poupança no país, educar financeiramente famílias mais pobres e fazê-las poupar. "Mas ministro, uma pessoa na pobreza consegue guardar dinheiro?", pergunta a jornalista. "Já guarda e nem sabe, o FGTS é um direito que tiram dele e fica depositado", responde Guedes.
A jornalista insiste e afirma que a maioria dos pobres não tem emprego formal (trabalhadores informais não estão, por definição, inscritos no FGTS). Guedes só pode sair pela tangente: "Mas terão com as mudanças que teremos pela frente". E muda de assunto, passando a falar do acordo comercial do Mercosul com a União Europeia.
É verdade que, salvo em alguns poucos casos, Guedes não se recusou a explicitar seus pontos de vista e conceitos por trás dos planos de reduzir fortemente o tamanho do Estado, retirando-lhe atribuições de proteção social delegadas pela Constituição de 1988. Mas, não fossem as perguntas, algumas "inconvenientes", e a insistência quando as respostas pareciam querer escapar da indagação, o resultado teria sido outro, muito menos interessante e relevante.
Não são poucas, a propósito, as novidades trazidas pela entrevista. Uma das mais importantes tem a ver com o entendimento do próprio Guedes sobre a maneira como suas propostas vão tramitar agora. Ele alerta para que não se encare as medidas como um pacote pronto e fechado. "Nós estamos fazendo algo muito diferente do que aconteceu na Previdência", explicou. "Estamos fazendo uma agenda trabalho".
Não dá para saber, antecipadamente, como Guedes vai se comportar diante dos freios e contrapesos que o Congresso deve antepor à sua confessada obsessão por uma forte redução das responsabilidades sociais do Estado. Nem até que ponto as turbulências promovidas no ambiente político e institucional pelo presidente Jair Bolsonaro e seus filhos políticos complicarão a discussão dessa ampla agenda.
Mas a ideia da agenda de trabalho, com tempos próprios para discussão, aprovação e rejeição de propostas, é positiva. Permite imaginar que possa resultar em avanço para diversas reformas necessárias e atrasadas, bem como em alguma garantia de que a retirada da proteção social dos mais vulneráveis será barrada. Como foi barrada na tramitação da Previdência.
Outra novidade extraída da entrevista é a de que a desvinculação dos gastos com educação e saúde não serão mais propostos pelo governo. Agora, a ideia é somar os percentuais destinados aos dois grupos de despesas e deixar que estados e municípios façam a divisão que considerarem melhor, mas respeitando os vínculos globais existentes. "Vamos supor que da receita sejam 25% para educação e 15% para saúde, passa a ser 40% para as duas", anunciou Guedes.
Um problema nesse caminho interessante é a falta de sintonia entre o tempo da política e o da econômica. Guedes pediu "4 aninhos" para que seu projeto ultra-liberal resulte em crescimento econômico e bem-estar para a população. Com o grau de ociosidade que está instalado na economia, refletindo ainda alto desemprego de gente e ainda ampla capacidade produtiva, pode ser tempo demais.
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