Tabelar juros do cheque especial é mais um "não faça o que eu faço”
O tabelamento das taxas de juros do cheque especial aciona uma máquina do tempo que leva aos anos 70 e 80 do século passado. Conduz aos tempos do CIP (Conselho Interministerial de Preços) e do Plano Cruzado. Nos dois casos, a alta de preços era combatida com limites determinados em lei para os valores cobrados aos consumidores pelos bens e serviços que compravam. Spoiler invertido porque todos sabem o fim dessa história: não funcionou.
Com a decisão desta quarta-feira (27), o CMN (Conselho Monetário Nacional) adicionou mais uma medida ao conjunto de programas adotados pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, que pode ser resumido na expressão "faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço". Defensor extremado da liberdade de mercado, Guedes adotou, no caso do cheque especial, a medida mais intervencionista — e menos eficiente — conhecida.
Creditar a Guedes uma decisão do CMN, um órgão em tese colegiado, faz sentido. Desde o Plano Real, o CMN é composto apenas por dois ministros, da Fazenda e do Planejamento, e pelo presidente do Banco Central. No governo Bolsonaro, com a criação do Ministério da Economia, o CMN é um colegiado em que o ministro da Economia, formalmente, manda nos outros dois integrantes. No formato Bolsonaro, o CMN reúne Guedes, seu secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, e Roberto Campos Neto, presidente do BC, cuja autonomia é apenas informal.
Para constar: membros da equipe econômica de Guedes fizeram passar a versão de que a área técnica do ministério se colocou contra a medida. A culpa foi transferida para o Congresso, mais diretamente na figura do senador Eduardo Braga, líder do MDB no Senado, pela adoção da medida. À frente de outros políticos, Braga teria ameaçado Guedes de impor na marra e com decisões ainda mais radicais o tabelamento dos juros do cheque especial e também do cartão de crédito.
Será preciso observar como os bancos vão se adaptar não só ao limite de 8% de juros no cheque especial, mas à autorização para cobrar tarifas dos correntistas que utilizarem a linha. Pelo menos no que se pode entender da medida, os clientes não poderão dispensar, se quiserem, esse "seguro" para saldo negativos, mesmo se aceitassem taxas de juros mais altas.
O tabelamento acrescido da cobrança de tarifa muda um pouco a lógica dos tabelamentos de preços puros. No caso em questão, os bancos poderão compor uma taxa efetiva de juros acima da tabelada, acrescentando a tarifa de 0,25% sobre o valor do cheque especial que exceder R$ 500. Uma pancada.
Quando se trata de um simples tabelamento, como no Plano Cruzado, distorções nos preços e nos mercados são consequência natural e inevitável.
Faz parte do folclore da história da hiperinflação no Brasil, o momento, no Plano Cruzado, em que, por exemplo, carro usado custou mais caro do que carro novo.
Essa distorção foi possível porque, com preços tabelados, os carros novos sumiram da praça, provocando fortes altas nos preços dos usados. Os novos, com preços tabelados, custavam mais barato, mas não eram encontrados.
Com o tabelamento dos juros do cheque especial, pelo menos nas contas e relatórios oficiais, o governo, num passe de mágica, conseguirá reduzir os juros da modalidade pela metade. Atualmente, as taxas cobradas levam o cheque especial a custar mais de 300% ao ano (12% ao mês). O teto de 8% mensal fará com que o custo do financiamento caia para 150% anuais. Se antes o cliente, ao fim de um ano, pagava quatro vezes o valor emprestado, oficialmente, pagará agora duas vezes e meia. Ainda uma paulada.
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