"Retrospectiva 2020": o que aconteceu no ano que está começando
Não foi tudo aquilo que os mais otimistas imaginavam no início do ano, mas 2020, que agora chega ao fim, não pode ser considerado como uma decepção completa na economia. Embora o ímpeto dos primeiros meses não tenha se mantido com o mesmo impulso até o final, a atividade econômica andou mais rápido e com mais consistência do que nos períodos anteriores.
O crescimento de 1,7%, como registrou a mediana das projeções do Boletim Focus, na última edição de 2020, ficou devendo aos 2,3% previstos no derradeiro Focus de 2019 e ainda mais aos 3% que os mais animados apontavam. A evolução, em ritmo melhor do que o 1,3% de cada um dos três últimos anos, refletiu o empuxo dos meses finais do ano anterior e uma recuperação cíclica mais sólida.
Esse impulso, que transbordou para 2020, veio de medidas de estímulo ao consumo, adotadas em 2019, como a liberação de uma fatia considerável de recursos do FGTS. Já a recuperação cíclica mais sólida se explica pela reposição básica de produtos de consumo durável e não durável, adquiridos antes da crise, depois de seis anos de uso esticado pelo desemprego e pelo subemprego e, em consequência, por insuficiência de renda para substituí-los.
A economia em 2020 foi beneficiada pelos efeitos positivos da política monetária estimulativa, agressivamente praticada pelo Banco Central em 2019. O ciclo de cortes da taxa básica de juros (taxa Selic) levou os juros a um inédito nível de 4,5% nominais ao ano, no fim do ano passado, fazendo com que a taxa real se aproximasse de zero.
Com o recuo dos juros básicos, os ativos financeiros de renda variável, caso das ações negociadas em Bolsa, ganharam forte atrativo. O Ibovespa, principal índice da Bolsa Brasileira, que havia subido mais 30% em 2019, batendo todos as demais modalidades de aplicação financeira, continuou em alta expressiva. Porém, como era de se esperar, em razão da base muito elevada de comparação, o avanço do Ibovespa em 2020 ficou na metade do registrado no ano anterior,
Juros mais baixos também impactaram, favoravelmente, a construção civil e o mercado imobiliário como um todo. De um lado, porque o preço dos imóveis tende a aumentar, incentivando lançamentos e movimentado o segmento de usados. De outro, porque reduz o custo dos financiamentos e, naturalmente, acelera a demanda por imóveis. Os avanços observadores em 2019 foram reforçados em 2020.
Com o correr do tempo, contudo, a recuperação mais vigorosa esboçada nos primeiros meses de 2020 perdeu um pouco do ímpeto. De certa forma, isso era esperado, na medida em que a política monetária, previsivelmente, passou, em 2020, a se mover num ritmo mais acomodado, depois dos sucessivos cortes de 2019.
As previsões, em fins do ano anterior, era de que a taxa Selic se manteria inalterada em 4,5% durante todo o ano de 2020, devendo avançar a 6,5% em 2021. Mas, pressões sobre a inflação, a partir de uma maior volatilidade nas cotações do dólar, levaram o BC a iniciar um novo ciclo de alta nos juros básicos mais cedo do que o previsto, no final de 2020. No fechamento do ano, a taxa Selic estava em 5%, ainda baixa para os padrões históricos.
Quando passou a combinar política fiscal mais restritiva com política de juros mais frouxa, o governo estabeleceu um novo padrão econômico que, quase inevitavelmente, tenderia a elevar as cotações do dólar. Essa tendência também foi sustentada pelo ambiente de incertezas e turbulências que predominou na economia internacional.
Ao longo do 2020, o BC recorreu a intervenções no mercado cambial que resultaram, no fim do ano, em perda de 10% do volume total das reservas internacionais, na comparação com o total existente no fechamento do ano anterior. Variando entre R$ 4 e R$ 4,30 por dólar, a cotação da moeda americana encerrou 2020 em R$ 4,20, um pouco acima dos R$ 4,08 projetados em fins de 2019.
A taxa de câmbio mais alta não ajudou nas contas externas. O saldo comercial, em 2020, apresentou resultado inferior ao de 2019 e, em consequência, a balança em transações correntes registrou déficit maior. Tanto a balança comercial quanto a de transações correntes mostraram resultados 10% piores do que no ano anterior. De qualquer modo, até porque os investimentos externos diretos mantiveram-se acima de US$ 70 bilhões no ano, a situação externa continuou confortável.
Com a atividade um pouco mais aquecida, também ganhou um pouco de força a transmissão da taxa de câmbio mais alta para a inflação. As previsões de alta de 3,6% para a inflação em 2020, o que teria feito a alta de preços ficar abaixo do centro da meta pelo quarto ano seguido, não se confirmaram. A inflação acabou o ano um pouco acima da meta, que era de 4% no ano, fechando em 4,5%.
O comportamento da economia não muito além de morno fez com que a redução da alta ociosidade predominante na economia fosse apenas ligeiramente reduzida em 2020. Da ocupação de 75% da capacidade instalada, em 2019, houve uma evolução para 77%, em 2020.
Já a taxa de desemprego recuou de 11% da força de trabalho, em 2019, para 10,5%, em 2020. Mas a informalidade, ao longo de 2020, continuou praticamente no mesmo nível observado em 2019, permanecendo em torno de 40% do total da mão de obra ocupada. Registrou-se também algum recuo no contingente de trabalhadores subutilizados: se, em 2019, eram 26 milhões de pessoas que trabalhavam menos horas do que poderiam e gostariam, em 2020, esse número caiu para 24 milhões, representando 23% da força de trabalho.
Limites a uma expansão mais acelerada do crescimento estiveram ligados a fatores externos e domésticos. Os do lado externo decorreram dos prejuízos à economia internacional e ao comércio exterior impostos pela escalada de ações protecionistas lideradas pelo presidente americano Donald Trump, em campanha por reeleição, assim como pelas incertezas produzidas por tensões geopolíticos e disputas por domínio tecnológico.
No lado interno, as limitações se prenderam às dificuldades de fazer deslanchar os investimentos. Além da existência de ampla capacidade ociosa a ocupar antes da decisão de ampliar instalações e equipamentos e de permanentes sobressaltos no ambiente internacional – o que é normalmente prejudicial a inversões em economias emergentes -, inseguranças jurídicas e institucionais dificultaram uma retomada mais robusta dos investimentos.
Um destaque negativo para as decisões de investimento, inclusive os envolvendo capitais externos, deriva do estilo imprevisível, reativo às questões ambientais e de direitos humanos, pouco afeito a negociações políticas, isolacionista nas relações internacionais e pontilhado de recuos do presidente Jair Bolsonaro. Não sem razão, a distância entre o volume de investimentos alcançado em 2020 e o existente na pré-crise, em 2013, manteve-se acima de 20%.
Ano de eleições municipais, 2020 viu a atividade parlamentar decrescer em relação a 2019, com poucos avanços em reformas estruturais, como a tributária e a administrativa, depois da aprovação da reforma da Previdência, em 2019. Mesmo a privatização de estatais não evoluiu, em 2020, no ritmo prometido pelo governo.
Tudo considerado, a eficiência e a produtividade da economia continuaram baixas, até com algum recuo na comparação com períodos anteriores. Sem a redução significativa dessas barreiras, crescimento acelerado e sustentado será sempre mais desejo do que realidade.
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