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José Paulo Kupfer

Corte na Selic sinaliza descrença do BC em reação mais forte da economia

José Paulo Kupfer

05/02/2020 18h50

A reação da atividade econômica, no Brasil, continua não inspirando confiança, muito mais depois da instalação do surto de coronavírus na China, cujo desdobramento pelo mundo continua incerto. Além disso, haveria bastante espaço para a economia avançar antes que pressões mais generalizadas forçassem altas da taxa de juros.

Essa é a mensagem que se pode extrair do comunicado divulgado pelo Copom (Comitê de Política Monetária), logo após o encerramento da reunião desta quarta-feira (5), em que decidiu, por unanimidade, cortar mais uma vez a taxa básica de juros (taxa Selic), agora para 4,25% nominais ao ano, a menor da história. O corte decidido pelo Copom era esperado pela maioria dos analistas.

Além da crise do coronavírus, que reduzirá, no curto prazo, a demanda chinesa, afetando, negativamente, produção e vendas mundo afora, dificuldades causadas pelo longo período de recessão – e, depois, de "quase recessão" – na economia brasileira, estariam se mostrando como obstáculos à recuperação mais acelerada que chegou a ser prevista no fim de 2019.

Uma administração algo confusa da economia – com apertos fiscais que mais tarde se mostram excessivos, seguidos de afrouxamentos inesperados -,  também colabora para reforçar o quadro de dificuldades que vem impedindo um avanço mais acelerado dos negócios e do emprego. Isso sem falar nos arroubos e recuos do governo, tendo à frente o próprio presidente Jair Bolsonaro, que afugentam investidores estrangeiros e deixam os locais mais hesitantes.

O fato é que a decisão do Copom se deu num ambiente de expectativas em baixa. Baixa do crescimento econômico e baixa da inflação. Combinando o esperado freio mais forte na economia mundial com sinais de perda de fôlego da economia doméstica na virada do ano, nos últimos dias, uma onda de revisões das projeções de expansão da atividade no Brasil cortou as previsões de crescimento para 2020 de 2,5% – e até 3% -, anunciadas no fim de 2019, para mais próximo de 2%, nem um mês depois do início do novo ano.

No mesmo sentido, as projeções para a inflação entraram em queda. Há quatro semanas, no boletim Focus, no qual o BC reúne previsões de analistas de mercado, a inflação para 2020 apontava alta de 3,6%. Nesta segunda-feira (3), a projeção mediana já descera para 3,4%. O centro da meta de inflação para este ano está fixado em 4%, com margem de tolerância de 1,5 ponto para cima ou para baixo.

O comunicado desta reunião do Copom foi explícito em afirmar que o BC interromperá agora o ciclo de cortes da taxa Selic. Embora considere que a taxa básica deve permanecer em terreno estimulativo da atividade econômica, o BC mostra estar preocupado com os "efeitos defasados" da política monetária sobre as forças de expansão da economia.

Como os estímulos promovidos pelos cortes da Selic costumam se apresentar com alguns meses de diferença em relação ao momento da decisão, o receio é o de que, em algum momento à frente, a ação dos juros muito baixos se torne excessiva, pressionando a inflação. Mesmo assim, no mercado financeiro, restaram alguns que não descartam a hipótese de que o atual ciclo de redução da taxa básica se prolongue até março, encerrando com a Selic em 4% ao ano.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.