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José Paulo Kupfer

Tombo na Bolsa pode ser sinal de que ações estão com preços exagerados

José Paulo Kupfer

26/02/2020 18h22

Esta quarta-feira (26) pós-carnaval está sendo literalmente de cinzas para a Bolsa brasileira. O pregão abriu, às 13h, já queimando a cotação das ações listadas. No meio da tarde, o Ibovespa, principal índice da Bolsa, recuava 6%, descendo abaixo de 107 mil pontos. Quando a sessão foi encerrada, o Ibovespa havia caído 7% e fechado a pouco mais de 105 mil pontos.

O movimento era esperado, com quase certeza seria uma queda intensa, mas a derrubada foi além do previsto. Esse excesso em relação às estimativas dos analistas, mesmo em ambiente de grande incerteza, permite imaginar que, se a tendência de queda se prolongar nos próximos pregões, se dará em escala mais moderada. O tombo forte, de todo modo, está longe dos recordes de queda da Bolsa brasileira. Em março de 1990, com o anúncio do Plano Collor, o Ibovespa despencou 22,3% (e já tinha recuado 20% no dia anterior).

Recuos de 15% em um único pregão ocorrem em fins dos anos 90, na esteira da crise da dívida externa na Ásia e na Rússia. Em 11 de setembro de 2001, a derrubada das torres gêmeas em Nova York levou a uma queda de 9,2% nas cotações em São Paulo.

Enquanto o pregão local permanecia fechado, na segunda e na terça de Carnaval, as Bolsas ao redor do mundo desabavam, com o recrudescimento dos temores de instalação de uma pandemia global de covid-19, o nome agora oficial da doença respiratória provocada por um novo coronavírus.

Na Europa e nos Estados Unidos, os principais índices recuaram em torno de 7%, nos dois primeiros dias da semana. Papéis de empresas brasileiras negociados em Nova York derreteram. Na quarta-feira, porém, quando o Ibovespa buscava alinhamento com as demais Bolsas mundiais, os pregões das bolsas mundiais ensaiavam um freio nas quedas das cotações.

Depois do recuo forte nos dias anteriores, exceto na China e em outros países asiáticos, em que os principais índices de ações continuaram a recuar perto de 1%, na Europa e nos Estados Unidos, as cotações fecharam em torno da estabilidade, registrando pequenas altas ou pequenas baixas. Mas o alívio momentâneo não significa nada parecido com o fim dos riscos de novas tombos. Dá apenas mais nitidez ao fato de que incertezas continuam predominantes no mercado. E incertezas no mercado são sinônimo de volatilidade acentuada.

A reação das cotações na Bolsa brasileira, aparentemente exagerada, não deixa de refletir as preocupações com uma paralisação mais ampla e prolongada de suprimentos das cadeias globais de produção, ao lado de um aumento nos cancelamentos de eventos e viagens internacionais. Tanto isso é verdade que, nesta quarta-feira de cinzas, no pregão local, as ações que mais sofreram foram as de companhias aéreas e de turismo, de exportadores de commodities e de siderúrgicas.

Mas o exagero no recuo das cotações chama a atenção para outro risco – este mais restrito ao mercado de ações brasileiros: o de que, com os cortes nas taxas básicas de juros, a migração dos recursos de aplicações de renda fixa para ações na Bolsa tenha sido excessivo.

O aumento do fluxo de recursos destinado à Bolsa empurrou as cotações para cima. Contudo, num ambiente econômico adverso, com persistente ociosidade – de máquinas e de mão de obra -, a relação da alta dos preços das ações com as reais perspectivas de resultados das empresas foi ficando, em boa parte dos casos, cada vez mais frágil.

Depois do pregão desta quarta, em menos de dois meses, o Ibovespa já recuou quase 10%, em relação ao fechamento de 2019, ano em que o índice subiu mais de 30%. Mesmo assim, ainda é difícil saber se, no embalo das incertezas provocadas pelo alastramento do covid-19, o mercado de ações brasileiros vai encetar um movimento de ajuste mais estrutural.  Essa hipótese, no entanto, não deve ser descartada. Isso significa que, na dúvida, tanto sair mais rápido de posições mantidas na Bolsa quanto aproveitar o surgimento de eventuais "pechinchas" e ir às compras é flertar com riscos.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.