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José Paulo Kupfer

Pânico nos mercados tem efeito manada, mas também razões concretas

José Paulo Kupfer

09/03/2020 14h09

Mercados de ativos – ações, moedas, commodities, juros – derretem em todo o mundo, nesta segunda-feira (9). É, possivelmente, o estouro de uma bolha financeira alimentada por taxas de juros muito baixas ou mesmo negativas, por um já longo período.

Nessas horas de pânico, em que a melhor atitude é esperar pelos desdobramentos, o valor reside em tentar separar as razões que estão levando ao desabamento das cotações. Ou seja, tentar entender qual parte do movimento é explicada pelos fundamentos econômicos e o que é explicado pelo efeito irracional de manada.

Sob o impulso de juros muito baixos, as cotações dos ativos de riscos passaram a subir sem muitos filtros e freios. Além disso, os juros baixos, apesar do endividamento persistente, ajudaram a ampliar o volume de dívidas ainda mais. O endividamento total da economia global, no terceiro trimestre de 2019, de acordo com IFI (Instituto de Finanças Internacionais; IIF, na sigla em inglês), alcançou recordistas US$ 253 trilhões, o equivalente a 322% do PIB mundial, percorrendo uma trajetória que ainda não teria atingido o teto.

Como boa parte dessas dívidas foi tomada em moeda estrangeira, as turbulências que também já estão afetando os mercados de moedas, podem determinar uma onda de quebras e dificuldades na economia real. Impactos podem ser dramáticos numa atividade econômica que se encontra combalida pelas incertezas em relação à amplitude e duração da epidemia do novo coronavírus.

Já havia sérias suspeitas de que a economia global se encontrava na antessala de uma retração forte e mais ou menos generalizada. Com a possibilidade de inúmeras empresas e famílias perderem capacidade de saldar seus compromissos, como ocorreu no crash de 2008, ganha corpoa hipótese de que uma nova recessão global está a caminho.

Essa nova possibilidade de contração da economia global forma o pano de fundo deste momento de pânico nos mercados. E então o organismo econômico, que já exibia baixa resistência, foi atacado por um elemento externo. Esse elemento foi a guerra aberta entre Arábia Saudita e Rússia, no ultra-sensível mercado de petróleo.

Ambos são grandes produtores e os sauditas queriam fechar um acordo com os russos para segurar a produção e, em consequência, os preços do barril. A conversa, na semana passada, não terminou bem e, no domingo, os sauditas anunciaram um enorme aumento da produção. A decisão saudita configurava uma retaliação à resistência russa a aceitar um acordo nos termos propostos e a intenção era, claramente, sufocar o concorrente. A Rússia reagiu prometendo também abrir as torneiras da sua produção.

A perspectiva de inundação do mercado de petróleo, em ambiente de baixa demanda, só poderia provocar fortes baixas nos preços do produto. A cotação do barril despencou na abertura dos mercados futuros, com quedas de até 30% nos preços, repetindo o que acontecera na Guerra do Golfo, há quase 30 anos.

A primeira consequência grave de uma queda prolongada nos preços do barril seria a inviabilização da produção em regiões e tipos de óleo em que a extração é mais cara. A começar do segmento de gás de xisto, cuja produção, nos Estados Unidos, é significativa. Crises no setor de petróleo ainda significam riscos ampliados de crise na economia como um todo.

Embora a OMS (Organização Mundial de Saúde) relute em declarar o surto do novo coronavírus como uma pandemia, a rápida propagação da doença respiratória associada ao vírus está fazendo que uma pandemia se apresente na prática. O isolamento decretado pela Itália, país hoje com a mais afetado fora da China pelo novo coronavírus, para mais de 15 milhões de pessoas, no norte do país, é a prova concreta

A classificação de um surto como pandemia aumenta as possibilidades institucionais do estabelecimento de restrição de circulação de pessoas. Com isso, aumentam também as restrições à circulação de mercadorias e da prestação de serviços.

Os choques de oferta – com quebras nas cadeias de suprimento da produção -, e de demanda – com quebra nas vendas em geral, com ênfase nas viagens e no turismo -, mais intensos e mais disseminados, elevam também os riscos de uma nova fase de baixíssimo crescimento ou mesmo recessão na economia mundial. Essa hipótese, cada vez mais perto de se concretizar, sem que seja possível estabelecer até onde vai e por quanto tempo, justifica a derrubada dos preços dos ativos e incrementam as preocupações com a saúde da economia global.

É possível que sauditas e russos, passadas as provocações iniciais de parte a parte, retomem a racionalidade das negociações, num esforço para reequilibrar a oferta de petróleo. Porém, um eventual alívio no mercado específico, se pode contribuir para arrefecer o ímpeto de venda de ações e instabilidades entre moedas, não tem como evitar a onda de busca de liquidez diante das perspectivas de uma retração generalizada da atividade econômica.

Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.