Conter contágio da Covid-19 a todo custo ou salvar a economia? Falso dilema
Empresários brasileiros estão ecoando uma posição polêmica sobre a melhor estratégia para combater o pandemia de Covid-19 e, ao mesmo tempo, preservar a economia de choques devastadores. O mote que provocou a controvérsia foi lançado pelo presidente americano Donal Trump, e pode ser resumido assim: a cura pode ser pior do que a doença.
A ideia por trás dessa afirmação é a de que o isolamento horizontal e radical da população tende a provocar o colapso da economia. E esta, paralisada e sem poder garantir empregos, provocará uma devastação social, que atingirá a todos, e ainda mais intensamente aos mais pobres, inclusive com mais mortes.
Importado quase instantaneamente para o Brasil, o argumento foi comprado pelo presidente Jair Bolsonaro. "A vida em primeiro lugar", disse o presidente, nesta segunda-feira (23). "Mas, sem emprego", continuou, "a sociedade enfrentará um problema tão grave quanto a doença: a miséria".
Era senha para que empresários assumissem publicamente a defesa de uma estratégia mais seletiva de contenção do Covid-19, focada em grupos de riscos, como idosos e portadores de doenças crônicas. "O país não aguenta, não pode parar dessa maneira, as pessoas têm que produzir e trabalhar, não podemos parar por conta de cinco ou sete mil pessoas que vão morrer", disse o dono da rede de lanchonetes Madero, Junior Durski, em suas redes sociais, numa declaração que provocou forte rejeição também nas redes sociais.
"Isso é grave, mas as consequências que vamos ter economicamente no futuro vão ser muito maiores do que o número de pessoas que vai morrer agora com o coronavírus", completou Durski. Essas "consequências muito maiores", para o empresário, se traduziriam na morte de 300 mil a 500 mil pessoas, nos próximos dois anos, em razão de problemas derivados da pobreza e da violência, potencializadas pelo desemprego de milhões de trabalhadores.
No pacote de convicções que sustenta este tipo de argumento, podem-se encontrar referências a uma espécie de "muito barulho por nada" – ou, pelo menos, quase nada -, em relação aos impactos da pandemia. A menção de Bolsonaro à sensação de que estava ocorrendo uma "histeria" sem base nos fatos, resume a tese.
A falta de conhecimento já bem estabelecido sobre a doença Covid-19 é o terreno fértil em que vicejam as teorias interessadas em dar maior peso às consequências sociais dos problemas econômicos gerados pela estratégia do isolamento social em massa do que aos impactos e riscos diretos do contágio pelo novo coronavírus na saúde das pessoas. Em artigo neste domingo (22), Thomas Friedman, colunista do jornal New York Times e um dos jornalistas mais influentes do mundo, adotou a ideia de que a baixa letalidade do Covid-19 recomenda a adoção de medidas de interdição "verticais e cirúrgicas", não massificadas e horizontais.
Assim, segundo Friedman e alguns especialistas, seria possível salvar tantas vidas quanto possível e manter o sistema de saúde operante, mas sem destruir a economia e, como resultado do colapso econômico, perder mais vidas. Para eles, a solução mais eficiente, além de concentrar o isolamento nos grupos de risco, incluiria a redução dos períodos de quarentena.
A ideia é tentadora, mas seu grande risco é o de cair naquela vala das soluções simples – e equivocadas. Os governos de países da Europa que, no início do ciclo da doença em seus territórios, adotaram a estratégia seletiva foram obrigados a recuar e agora determinam isolamentos drásticos da população.
Depois da dramática perda de controle da doença na Itália, Espanha, França e até Reino Unido – de início, o mais refratário a esse estratégia -, além do emprego de montanhas de recursos para procurar manter a economia de pé, estão tentando garantir, sob pressão de forças policiais nas ruas, que a população permaneça em casa.
Nesses países, o isolamento seletivo e vertical não funcionou. O descontrole resultou em colapso do sistema hospitalar, atingindo vítimas da Covid-19 e de outras doenças – doentes cardíacos, pessoas com câncer, idosos com doenças respiratórias, acidentes vasculares -, que passaram a disputar leitos hospitalares e UTIs. Em consequência, as taxas de letalidade começaram a aumentar, quando não a explodir.
Diferentemente da teoria do isolamento vertical e cirúrgico, o economista Marcelo Medeiros defende a tese segundo a qual quanto mais imediato e completo for o isolamento, melhor para a saúde e a economia. Referência brasileira em questões de desigualdade social, atualmente lecionando na prestigiosa Universidade de Princeton, na costa leste dos Estados Unidos, Medeiros tem sido ativo nas redes sociais, oferecendo ao debate programas completos mitigação dos impactos econômicos e sociais da pandemia, no Brasil.
"É economicamente mais vantajoso gastar mais agora, porque o gasto total será menor e mais facilmente se pagará", calcula o economista. Para ele, isolamento mais seletivo só quando se souber mais sobre a doença, mais testes estiverem disponíveis, tratamentos mais eficazes tiverem sido descobertos e a capacidade de hospitais tiver se expandido, incluindo equipamentos como respiradores e o contingente de profissionais da área.
Tudo que gira em torno da pandemia do Covid-19 sugere uma situação de guerra. Nas guerras, decisões são difíceis e nem sempre corretas, acarretando perdas humanas que poderiam ser evitadas. Entre conter o contágio do Covid-19 ou salvar a economia, o risco maior ainda é o de escolher uma das faces de um possível falso dilema.
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