Restrita ao seguro-desemprego, MP 936 limita proteção aos trabalhadores
Tudo o que se faz para conter as consequência da pandemia da Covid-19 não pode ter ambição maior do que operar como redutor de danos. É assim com o isolamento social e a testagem em massa da presença do vírus na população. Diante das incertezas e da ausência de remédios eficazes contra a doença, estas são as formas conhecidas até aqui mais eficientes na contenção da infecção e das mortes por ela ocasionadas. Mas elas apenas mitigam o contágio e não objetivam eliminar seus riscos.
Entendida nesse contexto, a Medida Provisória 936, publicada na manhã desta quinta-feira (2), funciona como um redutor de danos. A medida provisória oferece uma rede de proteção a empresas e empregados, regulando reduções de jornada e suspensão de contratos de trabalho, em meio a um choque econômico de proporções inéditas. Na crise, empresas aliviam suas folhas de pagamento, enquanto empregados asseguram a manutenção de alguma renda e de seus postos de trabalho.
É um avanço em relação à MP 927, aquela que, no artigo 18, posteriormente revogado, permitia ao empregador suspender o contrato de trabalho do empregado por até quatro meses sem qualquer compensação ou proteção. Ainda assim, a nova medida provisória, está sofrendo críticas pesadas de especialistas.
A ideia de proteger trabalhadores do desemprego é correta, mas a MP, na visão, por exemplo, do economista Gabriel Ulyssea, é "mais uma política mal feita". Ulyssea, especialista em mercado de trabalho, hoje professor na Universidade de Oxford, no Reino Unidos, é doutor pela Universidade de Chicago.
Em sua conta no Twitter, o economista, um dos mais destacados da nova geração de profissionais brasileiros, considerou que o primeiro problema da MP 936 é determinar que a contribuição do governo para mitigar a perda de renda do trabalhador se dará com base no seguro-desemprego, e não no salário até então pago ao empregado. "O seguro-desemprego tem baixa taxa de reposição para quem ganha acima de 1,5 salário mínimo".
Os cálculos sobre a perda de renda para os empregados apontam para reduções acima de 60% do salário efetivo, em certos casos de salários mais altos. A perda depende do percentual de redução da jornada de trabalho e do valor do salário.
O economista Bruno Carazza, professor do Insper e da Fundação Dom Cabral, calcula que, para um salário de R$ 2.213, que é a média brasileira, a perda ficará em menos de 10%, no caso de redução de 25% na jornada. Mas chegará a mais de 25% quando a redução de jornada for de 70%. Para salários de R$ 10 mil/mês, por exemplo, a perda poderá avançar a 60% da remuneração.
Ulyssea também aponta problemas nas regras de suspensão do contrato de trabalho por até dois meses. A MP, nesse ponto, determina que empresas inscritas no sistema tributário do Simples Nacional, com receita bruta até R$ 4,8 milhões por ano, ficam isentas de qualquer parcela do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido, cabendo ao governo bancar a totalidade do seguro-desemprego.
No caso de empresas de outros regimes tributários (lucro presumido ou lucro real), com receita bruta acima de R$ 4,8 milhões/ano, o empregador terá de arcar com até 30% da parcela do seguro-desemprego devido, se o empregado fosse demitido. A MP alivia a empresa, mas joga trata o empregado como desempregado, encaminhando-o ao seguro-desemprego.
Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do PIIE (Peterson Institute for International Economics) e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, o governo parece continuar sem saber dimensionar a gravidade dos problemas que a pandemia ainda causará aos brasileiros, e se mantém na contramão da maioria dos países mundo afora. "Não é hora de falar em redução de salário", disse ela, em transmissão de vídeo pelo YouTube.
Segundo Monica, a precarização induzida pela medida provisória é um incentivo a que trabalhadores procurem complementar o que for possível da renda perdida. "Vai ter mais gente na rua tentando fazer bicos e se expondo mais ao risco do contágio", prevê ela.
A precarização dos trabalhadores, de acordo com raciocínio da economista, leva à precarização da própria empresa. Os dois lados da relação trabalhista, na opinião de Monica, sairão perdendo com a MP 936. Exatamente para evitar essa situação, nos demais países, o governo está bancando até 80% dos salários dos trabalhadores. O subsídio é transferido pelo governo às empresas desde que elas não demitam empregados.
O próprio governo estima que seus gastos com a medida provisória superarão R$ 50 bilhões (o equivalente a 0,7% do PIB) e evitaram a demissão de 12 milhões de pessoas. Se esse contingente de trabalhadores fosse demitido, a taxa de desemprego, hoje perto de 11,5% da força de trabalho, praticamente dobraria, passando de 20%.
Para salvar a economia, o governo teria de abrir mais as torneiras. Basta olhar o exemplo do que outros países estão fazendo. E mirar no que o grupo das maiores economias do mundo, o G-20, acabou de indicar, quando decidiu coordenar a injeção de inéditos US$ 5 trilhões no combate à pandemia da Covid-19 no mundo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.