Blog do José Paulo Kupfer http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Mon, 13 Apr 2020 21:35:04 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 “Plano” de Bolsonaro corre risco de não salvar vidas nem a economia http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/13/plano-de-bolsonaro-corre-risco-de-nao-salvar-vidas-nem-a-economia/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/13/plano-de-bolsonaro-corre-risco-de-nao-salvar-vidas-nem-a-economia/#respond Mon, 13 Apr 2020 21:15:17 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1295 Depois de classificar o que logo se transformaria na pandemia de Covid-19 como uma “gripezinha”, o presidente Jair Bolsonaro “descobriu” que a pandemia se transformou “no maior desafio de nossa geração”. Mas parece disposto a enfrentá-lo da pior maneira possível.

O resultado do “plano Bolsonaro” para enfrentar a pandemia e manter a economia de pé começará a mostrar sua face mais dramática a partir de agora. Com a curva de infectados avançando a passos largos a cada minuto, aproxima-se o momento em que o sistema de saúde – não só a rede pública, mas também os hospitais privados – entrará em colapso.

Com a impossibilidade de acolher todos os que necessitam de cuidados hospitalares, as mortes se multiplicarão e os congestionamentos também tendem atingir os sistemas funerários. Os exemplos da Itália, Espanha, Equador e mesmo Estados Unidos, onde os cemitérios em Nova YorK já abrem valas comuns para sepultamentos em massa, estão aí para ninguém, em sã consciência, duvidar.

Desde o início da crise, fazendo eco a posições do presidente americano Donald Trump já devidamente abandonadas, Bolsonaro tem encarado a questão central de, ao mesmo tempo, salvar vidas e a economia, de uma forma que, até aqui, tem tudo para não conseguir uma coisa nem a outra.

Diante do avanço acelerado de mortes e infectados nos Estados Unidos, Trump passou a defender o isolamento social da população. Ao mesmo tempo em que, com apoio de Trump, o Fed (Federal Reserve, banco central americano) despejava inéditos e oceânicos US$ 2 trilhões, na defesa de pessoas, empresas e empregos.

Bolsonaro, porém, resiste. Não só desqualifica os esforços, até mesmo de ministros do seu governo, à frente o responsável pela pasta da Saúde, para manter as pessoas em casa, como tem saído às ruas, promovendo aglomerações e mantendo contatos descuidados das medidas sanitárias com correligionários. Com isso, estimula o relaxamento das medidas de contenção do contágio da Covid-19.

É que o presidente só pensa “naquilo”, ou seja, na reeleição em 2022. Diferentemente do seu principal slogan político, acima de tudo, para Bolsonaro, não está o Brasil, mas, como ele próprio tem repetido inúmeras vezes, está o “meu governo”. Recentemente, o presidente declarou: “Se acabar a economia, acaba qualquer governo, acaba o meu governo”. Para Bolsonaro, segundo o próprio presidente, o risco maior é o de um desabamento da atividade econômica, carregando com ela os empregos e o “meu governo”.

A última dessas insistentes manifestações de Bolsonaro se deu neste domingo (12), num tuíte em reação à manchete da edição dominical impressa da Folha. Mencionando estudo de pesquisadores da FGV (Fundação Getúlio Vargas), o jornal mostra que, se a ações oficiais de suporte à população e às empresas não forem robustas e rápidas, o desemprego pode dobrar em 2020 e a renda dos trabalhadores pode ter um corte recorde de até 15%.

“Este jornal apoiou ações daqueles que destruíram empregos e agora quer culpar o Presidente da República das consequências”, tuitou Bolsonaro. Quebrar o isolamento e, com isso, fazer a economia se mover, é o “plano” presidencial para evitar os riscos apontados no estudo mencionado pela Folha.

Pode-se escolher entre ingenuidade e ignorância em relação ao funcionamento da economia a ideia de que relaxando o isolamento a atividade econômica reagirá.  Na presente e excepcional situação, não há hipótese de que essa reação se dê por conta própria dos mercados.

Manter um mínimo de renda e demanda para retirar a produção de mercadorias e a prestação de serviços da paralisia causada pela restrição de circulação de pessoas, já não há dúvidas no resto do mundo, exigirá ações diretas e focadas dos governos.

Da mesma forma que os demais países, o governo brasileiro está destinando  monumentais volumes de recursos para evitar deixar trabalhadores sem renda e impedir a quebra de empresas. Os cálculos mais recentes contabilizam um considerável esforço total de R$ 568 bilhões, equivalentes a 7,8% do PIB, embora 40% desse montante venha de antecipação de pagamentos e adiamento de obrigações, ao mesmo tempo em que as indispensáveis torneiras do crédito ainda continuem fechadas.

Nem por isso, contudo, arrefeceram as perspectivas de uma derrubada recorde dos índices de atividade econômica em 2020. Ainda que a dispersão seja muito grande, as estimativas de queda do PIB neste ano avançam para um tombo histórico de pelo menos 6% – mas o poço pode ser ainda mais fundo. Só a ação governamental, oferecendo suporte quase ilimitado a empresas para que se mantenha paradas, com a contrapartida de que mantenha postos de trabalho, poderá evitar uma onda de desemprego em massa.

Enquanto, felizmente, o Congresso e uma parte de seu governo trata de oferecer as saídas possíveis mais eficientes, Bolsonaro ainda se agarra ao falso dilema entre preservar vidas ou salvar a economia. Isso quando já se sabe que, onde se deixou o contágio da Covid-19 correr solto, mais a economia sofreu e mais mortes tiveram de ser contabilizadas.

Isolado do resto do mundo, inclusive de seu modelo Donald Trump, que recuou dos ataques a medidas de contenção do Covid-19 depois que a quantidade de infectados e mortos assumiu contornos trágicos nos Estados Unidos, Bolsonaro está gastando o pouco tempo que lhe resta diante do avanço da doença no Brasil para barrar, além do inevitável, perdas de vidas e afundamentos da economia.

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Inexperiente atraído pela Bolsa foge do pregão e leva poupança a recordes http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/08/inexperiente-atraido-pela-bolsa-foge-do-pregao-e-leva-poupanca-a-recordes/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/08/inexperiente-atraido-pela-bolsa-foge-do-pregao-e-leva-poupanca-a-recordes/#respond Wed, 08 Apr 2020 20:34:52 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1289 Nesses tempos de pandemia e de notícias estranhas, uma notícia estranha passou quase despercebida. Era a informação, divulgada pelo Banco Central nesta segunda-feira (6), segundo a qual, em março, os depósitos na poupança superaram as retiradas em R$ 12,2 bilhões.

Não era só o primeiro mês em 2020 com saldo positivo na caderneta. Era também o recorde absoluto de ingresso líquido de recursos na poupança em todos os meses de março desde que esse número é registrado, lá se vão 26 anos. O maior volume anterior, de março de 2013, nem chegou à metade do agora alcançado.

Mas o que tem de estanha nessa notícia? O fato de as pessoas estarem agora preferindo a caderneta, mesmo quando os depósitos de poupança rendem quase nada, e prometendo render menos ainda é, sem dúvida, aparentemente, bem estranho. 

Essa estranheza, na verdade, é mesmo só aparente. O que o movimento em direção à poupança revela é apenas a confirmação daquilo que o economista inglês John Maynard Keynes, talvez o maior de todos no século 20, tenha descrito melhor do que qualquer outro antes dele: a preferência pela liquidez.

Em termos bastante simplificados, a preferência pela liquidez descrita por Lord Keynes se impõe exatamente em momentos de crise econômica geral, como foi o da Grande Depressão de fins da década de 20 e seguintes, no século passado, e agora é com a pandemia de Covid-19. Nessas situações de grande estresse e colapsos econômicos, as pessoas preferem manter suas poupanças líquidas e em segurança, evitando risco de perdas ainda maiores em outros ativos, mesmo quando o rendimento dessas poupanças tende a ser nulo.

Como é altamente improvável que, em março, as pessoas tenham obtido novas rendas para aplicar na poupança, a hipótese mais aceitável é a de que o aumento das aplicações na caderneta se deu por trocas de posição entre ativos nos quais as pessoas investiam seus recursos. O dinheiro que foi para a poupança, resumindo, saiu de outras aplicações.

Temores de perdas ainda maiores devem ter carreado parte dos investimentos em renda fixa e fundos para a poupança. Mas, as transferências do mercado de ações, cujo primeiro dos muitos tombos do atual período ocorreu na quarta-feira de cinzas, 25 de março, quando o Ibovespa, principal índice da B3, despencou 7%, foi a mais encorpada.

Embora, de acordo com informações da própria B3, de 26 de fevereiro a 16 de março, pequenos investidores aplicaram em ações mais do que retiraram, as saídas, no caso desses investidores, somaram R$ 70 bilhões (ingressos foram de R$ 84,5 bilhões). Estrangeiros se desfizeram de R$ 260 bilhões e investidores institucionais, R$ 167 bilhões.

É de se imaginar o tamanho das perdas desses investidores individuais, boa parte pequenos, quando se observa que a fuga do mercado de ações, neste período, no conjunto, chegou a quase R$ 500 bilhões. O primeiro trimestre de 2020 foi o pior na história do mercado de ações brasileiro, registrando queda de 36,8%.

Na esteira da pandemia, a Bolsa brasileira tem sido a campeã mundial em perdas. No espaço de 60 dias, entre 24 de janeiro e 24 de março, o Ibovespa despencou do pico de quase 120 mil pontos para o vale de 63 mil pontos.

O movimento anterior à onda de vendas na Bolsa, um longo intervalo de altas acentuadas, continha a semente da fuga desabalada a que se assiste agora. De dezembro de 2018 a fevereiro de 2020, o número de investidores pessoas físicas na B3 mais do que dobrou, saltando de 813 mil para 1,9 milhão. Foram novos 1,1 milhão de investidores individuais nesse período.

Esse exército de novos investidores vinha sendo atraído para os pregões por uma combinação de baixa nos rendimentos de investimentos mais conservadores, em consequência dos sucessivos cortes nas taxas básicas de juros, e alta sequenciais nas cotações das ações. Uma parte considerável desse contingente, principalmente formado por investidores inexperientes nos meandros do mercado acionário, é que está retornando para a renda fixa e, em particular para a segurança e a liquidez, mas quase sem rendimento, da caderneta de poupança.

Foram da segurança total para o maior risco, talvez desavisados e sem medir bem as consequências. Agora retornam machucados e mais pobres para o ponto de partida.

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Restrita ao seguro-desemprego, MP 936 limita proteção aos trabalhadores http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/02/mp-936-esta-longe-do-que-outros-paises-tem-feito-para-proteger-trabalhador/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/04/02/mp-936-esta-longe-do-que-outros-paises-tem-feito-para-proteger-trabalhador/#respond Thu, 02 Apr 2020 21:07:52 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1274 Tudo o que se faz para conter as consequência da pandemia da Covid-19 não pode ter ambição maior do que operar como redutor de danos. É assim com o isolamento social e a testagem em massa da presença do vírus na população. Diante das incertezas e da ausência de remédios eficazes contra a doença, estas são as formas conhecidas até aqui mais eficientes na contenção da infecção e das mortes por ela ocasionadas. Mas elas apenas mitigam o contágio e não objetivam eliminar seus riscos.

Entendida nesse contexto, a Medida Provisória 936, publicada na manhã desta quinta-feira (2), funciona como um redutor de danos. A medida provisória oferece uma rede de proteção a empresas e empregados, regulando reduções de jornada e suspensão de contratos de trabalho, em meio a um choque econômico de proporções inéditas. Na crise, empresas aliviam suas folhas de pagamento, enquanto empregados asseguram a manutenção de alguma renda e de seus postos de trabalho.

É um avanço em relação à MP 927, aquela que, no artigo 18, posteriormente revogado, permitia ao empregador suspender o contrato de trabalho do empregado por até quatro meses sem qualquer compensação ou proteção. Ainda assim, a nova medida provisória, está sofrendo críticas pesadas de especialistas.

A ideia de proteger trabalhadores do desemprego é correta, mas a MP, na visão, por exemplo, do economista Gabriel Ulyssea, é “mais uma política mal feita”. Ulyssea, especialista em mercado de trabalho, hoje professor na Universidade de Oxford, no Reino Unidos, é doutor pela Universidade de Chicago.

Em sua conta no Twitter, o economista, um dos mais destacados da nova geração de profissionais brasileiros, considerou que o primeiro problema da MP 936 é determinar que a contribuição do governo para mitigar a perda de renda do trabalhador se dará com base no seguro-desemprego, e não no salário até então pago ao empregado. “O seguro-desemprego tem baixa taxa de reposição para quem ganha acima de 1,5 salário mínimo”.

Os cálculos sobre a perda de renda para os empregados apontam para reduções acima de 60% do salário efetivo, em certos casos de salários mais altos. A perda depende do percentual de redução da jornada de trabalho e do valor do salário. 

O economista Bruno Carazza, professor do Insper e da Fundação Dom Cabral, calcula que, para um salário de R$ 2.213, que é a média brasileira, a perda ficará em menos de 10%, no caso de redução de 25% na jornada. Mas chegará a mais de 25% quando a redução de jornada for de 70%. Para salários de R$ 10 mil/mês, por exemplo, a perda poderá avançar a 60% da remuneração.

Ulyssea também aponta problemas nas regras de suspensão do contrato de trabalho por até dois meses. A MP, nesse ponto, determina que empresas inscritas no sistema tributário do Simples Nacional, com receita bruta até R$ 4,8 milhões por ano, ficam isentas de qualquer parcela do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido, cabendo ao governo bancar a totalidade do seguro-desemprego. 

No caso de empresas de outros regimes tributários (lucro presumido ou lucro real), com receita bruta acima de R$ 4,8 milhões/ano, o empregador terá de arcar com até 30% da parcela do seguro-desemprego devido, se o empregado fosse demitido. A MP alivia a empresa, mas joga trata o empregado como desempregado, encaminhando-o ao seguro-desemprego.

Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do PIIE (Peterson Institute for International Economics) e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, o governo parece continuar sem saber dimensionar a gravidade dos problemas que a pandemia ainda causará aos brasileiros, e se mantém na contramão da maioria dos países mundo afora. “Não é hora de falar em redução de salário”, disse ela, em transmissão de vídeo pelo YouTube.

Segundo Monica, a precarização induzida pela medida provisória é um incentivo a que trabalhadores procurem complementar o que for possível da renda perdida. “Vai ter mais gente na rua tentando fazer bicos e se expondo mais ao risco do contágio”, prevê ela.

A precarização dos trabalhadores, de acordo com raciocínio da economista, leva à precarização da própria empresa. Os dois lados da relação trabalhista, na opinião de Monica, sairão perdendo com a MP 936. Exatamente para evitar essa situação, nos demais países, o governo está bancando até 80% dos salários dos trabalhadores. O subsídio é transferido pelo governo às empresas desde que elas não demitam empregados.

O próprio governo estima que seus gastos com a medida provisória superarão R$ 50 bilhões (o equivalente a 0,7% do PIB) e evitaram a demissão de 12 milhões de pessoas. Se esse contingente de trabalhadores fosse demitido, a taxa de desemprego, hoje perto de 11,5% da força de trabalho, praticamente dobraria, passando de 20%.

Para salvar a economia, o governo teria de abrir mais as torneiras. Basta olhar o exemplo do que  outros países estão fazendo. E mirar no que o grupo das maiores economias do mundo, o G-20, acabou de indicar, quando decidiu coordenar a injeção de inéditos US$ 5 trilhões no combate à pandemia da Covid-19 no mundo.

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Auxílio de R$ 600 pode demorar pelo menos um mês para chegar no destino http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/30/auxilio-de-r-600-pode-demorar-pelo-menos-um-mes-para-chegar-no-destino/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/30/auxilio-de-r-600-pode-demorar-pelo-menos-um-mes-para-chegar-no-destino/#respond Mon, 30 Mar 2020 22:31:02 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1266 Aprovado no Congresso Nacional o auxilio emergencial de R$ 600 reais/mês, por três meses, para os brasileiros mais vulneráveis, nesta segunda-feira (30), a prioridade agora é fazer chegar o dinheiro dessa renda básica temporária aos beneficiários, no menor prazo de tempo possível.

Por envolver beneficiários do PBF (Programa Bolsa Família), é fácil e rápido atingir essa parte da população alvo do auxílio emergencial. Mas um segundo grupo vai depender da agilidade do governo em oferecer formas e instrumentos para entregar com rapidez o que foi aprovado. Para começar será necessário editar uma medida provisória e decretos, para enquadrar os beneficiários não inscritos no Bolsa Família. É de se prever que não será um esforço pequeno.

Criar um benefício, com pagamento mensal, fora das linhas do Bolsa Família, na prática, exigirá da Caixa, que é a operadora do sistema, a elaboração de uma nova folha de pagamentos. É uma operação complexa, mas uma experiência recente, relativamente bem sucedida, foi realizada com a transferência de recursos para vítimas da tragédia de Brumadinho (MG) e pode servir de modelo.

Mesmo numa visão otimista, de qualquer modo, dificilmente seria possível fazer chegar o dinheiro ao destino antes de um mês depois da aprovação do auxílio – ou seja, antes do fim de abril é pouco provável que os primeiros R$ 600 chegam ao bolso dos beneficiários. É de se imaginar o trabalho e o tempo necessário para reorganizar a lista de elegíveis e conferir seus endereços, pré-requisito para a emissão e entrega de milhões de cartões de pagamento.

Existem outras possibilidades, mas elas também esbarram em restrições. A entrega de guias de pagamentos em postos de atendimento ou agências bancárias, por exemplo, não é recomendável por questões sanitárias. Outra, hipótese, o cadastramento online, seria ideal desde que pudesse ser assegurado acesso universal à internet para os beneficiários.

Essas possibilidades e dificuldades estão listadas numa nota técnica publicada nesta sexta-feira (27) pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Sem relação direta com o auxílio emergencial agora aprovado, o  trabalho, encomendado pelo ministério da Economia, foi elaborado em tempo curto por quatro pesquisadores do Instituto.

O documento enumera 72 combinações de medidas emergenciais para garantir renda básica temporária a pessoas pobres e trabalhadores informais. A principal recomendação de renda básica temporária proposta pelos pesquisadores do Ipea apresenta muitos pontos de aderência com o auxílio emergencial temporário aprovado no Congresso.

A nota técnica trata também de avaliar as dificuldades, tanto institucionais quanto operacionais, para fazer os recursos chegarem rapidamente aos destinatários. “Não haveria qualquer problema para os cadastrados no Bolsa Família e a transferência seria imediata”, explica Pedro Souza, especialista em questões de desigualdade de renda e um dos autores da nota técnica do Ipea. “Mas seria necessário cadastrar, emitir e entregar cartões de pagamento para outros 13 milhões de inscritos no Cadastro Único”.

O auxílio emergencial agora aprovado no Congresso alcança um expressivo número de pessoas, mas as restrições impostas reduzem a quantidade de elegíveis. O Cadastro Único, que reúne famílias de baixa renda, em ocupações informais, tem hoje 27 milhões de famílias inscritas, abrangendo 77 milhões de pessoas – o equivalente a um terço da população brasileira total.

Baseado no Cadastro Único para definir seu alcance, o auxílio emergencial abrange 30,5 milhões de pessoas. Esse total é um pouco menos da metade da população inscrita no cadastro. É urgente aprovar medidas de suporte a esse grupo ainda descoberto e encontrar meios de fazê-las chegar aos potenciais beneficiários. Outros grupos, que somam cerca de 10 milhões de trabalhadores com renda familiar baixa, mas acima de meio salário mínimo, estão de fora.

Fazer chegar os recursos aos destinatários é um problema complexo, mas o Brasil tem experiência, internacionalmente reconhecida, no enfrentamento desse tipo de problema. A base dessa experiência é o funcionamento do Bolsa Família e é dessa experiência que o país poderá se valer agora para proteger seus cidadãos mais vulneráveis.

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Primeiras medidas vão na direção certa, mas demoraram e ainda são tímidas http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/27/primeiras-medidas-vao-na-direcao-certa-mas-demoraram-e-ainda-sao-timidas/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/27/primeiras-medidas-vao-na-direcao-certa-mas-demoraram-e-ainda-sao-timidas/#respond Fri, 27 Mar 2020 18:44:26 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1256 Atualizado em 27/03/2020  às 19:45

Deputados e senadores obrigaram o governo a se mexer um pouco mais rápido e de uma forma um pouco mais objetiva. Temos até agora, na proteção de pessoas, empregos e empresas, duas medidas. 

Uma, para pessoas de baixa renda, elaborada na Câmara e lá já aprovada na noite desta quinta-feira (26), esperando confirmação do Senado, prometida inda para esta sexta-feira (27). Serão pagos R$ 600 por mês, por três meses. Mães sem companheiro no domicílio receberão auxílio dobrado, de R$ 1.200 mensais.

Outra, arquitetada pelo Banco Central, para ser executada em conjunto com o BNDES e o Tesouro Nacional, abre uma linha de crédito nos bancos, para pequenas e médias empresas, destinada a ajudar nas despesas com folha de pagamento.

São medidas importantes, na direção correta, em linha com o que está sendo praticado na maioria dos demais países. Mas, numa primeira avaliação, ainda são tímidas. As restrições para as candidaturas ao auxílio emergencial são muitas e o montante das linhas anunciadas pelo BC é pequeno.

Cálculos preliminares do economista Daniel Duque, pesquisador do Ibre-FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas), divulgados em suas redes sociais, apontam para um grupo de apenas 22 milhões de pessoas elegíveis para o benefício. Duque calcula, mas alerta de que se trata de uma conta imprecisa, apenas como referência, que o gasto com o programa ficaria em R$ 13,5 bilhões por mês – uns R$ 40 bilhões nos três meses fixados para o benefício.

É pouco, na opinião do economista. Ele preferiria um auxílio mais universal, ainda que em valor um pouco menor, R$ 500 mensais, por exemplo. A boa notícia, para Duque, é que seria relativamente fácil fazer o dinheiro chegar aos beneficiários, até pelo fato de que o contingente de elegíveis é mais limitado.

Felipe Salto, diretor da IFI (Instituição Fiscal Independente(, órgão de assessoramento do Senato, encontrou números e valores um pouco mais robustos. O economista considerou a possibilidade de migração dos beneficiários do Bolsa Família para o auxílio emergencial, nos três meses do novo programa, prevista no projeto do Congresso. Com isso, o total de beneficiários passaria para 30,5 milhões e o total dos benefícios, em três meses, chegaria a R$ 59,8 bilhões.

São elegíveis para a renda emergencial os maiores de 18 anos, cuja renda familiar per capita seja inferior a meio salário mínimo, ou R$ 522 (a mediana brasileira é de R$ 650). Se for totalmente informal, só terá direito se estiver inscrito no Cadastro Único. Também estão fora os beneficiários do Bolsa Família, exceto se, na família, houver outra pessoa que cumpra os requisitos do programa. 

Quando à linha de crédito aberta pelo governo para bancar a folha de salário de pequenas e médias empresas, seu limite é de R$ 20 bilhões mensais por dois meses, num total de R$ 40 bilhões. O limite salarial é de dois salários mínimos e os juros serão de 3,75% (o mesmo da taxa Selic), sem spreads.

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), avaliou a medida como “timida”. De acordo com Maia, a medida “não é ruim, mas não vai resolver nada”.

As linhas agora abertas atenderão, segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, a 1,4 milhão de empresas com faturamento entre R$ 360 mil e R$ 10 milhões por ano, que empregam 12,2 milhões de trabalhadores.

A boa novidade é que o risco de crédito será bancado em até 85% dos empréstimos pelo Tesouro Nacional. Com isso, é mais certo que o dinheiro chegará ao destino.

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Pandemia faz líderes mundiais soltarem 5 vezes mais dinheiro do que em 2008 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/26/pandemia-faz-lideres-mundiais-soltarem-5-vezes-mais-dinheiro-do-que-em-2008/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/26/pandemia-faz-lideres-mundiais-soltarem-5-vezes-mais-dinheiro-do-que-em-2008/#respond Thu, 26 Mar 2020 21:36:17 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1248 Em reunião virtual, nesta quinta-feira (26), com a presença do presidente Jair Bolsonaro, o G-20, grupo que reúne os líderes das maiores economias globais, anunciou a aplicação de até US$ 5 trilhões em medidas de proteção à vida das pessoas, ao emprego e à renda dos trabalhadores. O montante anunciado é cinco vezes maior do que o total de recursos comprometidos pelo grupo na crise global de 2008.

A decisão é uma reação forte aos impactos devastadores da pandemia da Covid-19 na saúde da população mundial e na economia global. Assim como os casos de contaminação e as mortes por Covid-19 ganham aceleração, as ideias para enfrentar as consequências da pandemia também avançam para consensos com rapidez.

Mitos e tabus, principalmente em questões fiscais, caíram por terra como se fossem castelos de areia. Um exemplo brasileiro contundente envolve o feroz embate sobre a manutenção ou relaxamento temporário do teto de gastos públicos, limite inserido na Constituição em fins de 2016, no governo Michel Temer. Diante do consenso sobre a necessidade de evitar explosão de mortes e, ao mesmo tempo, jogar boias de salvação para pessoas privadas de renda e empresas privadas de receitas, o debate sobre o teto de gastos caiu em completo exercício findo.

Abrir as torneiras dos gastos, sem medir consequências para as contas públicas, já é praticamente unanimidade mundo afora. Cessaram as discussões sobre a necessidade de intervenção do Estado na economia. O debate agora se concentra nas formas mais eficazes de intervir estatal e nos montantes que devem ser mobilizados.

O Brasil, apesar das posições divergentes e das dificuldades criadas pelo presidente Jair Bolsonaro, não foge à regra internacional. Também aqui são dois os alvos principais dessas ideias agora consensuais. O primeiro é a proteção da ampla faixa dos pobres e muito pobres, na qual se encaixa o enorme contingente de trabalhadores informais. O outro alvo é a manutenção das empresas e dos empregos.

Há convergência também sobre a ação mais eficiente para alcançar o objetivo de preservar as pessoas em torno da concessão de uma renda mínima universal. As divergências entre as propostas se limitam ao valor mensal, tempo de duração do benefício e amplitude do público abrangido.

O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, lançou uma das propostas mais amplas. Os petistas propõem destinar um salário mínimo nacional (R$ 1.045) mensal para 100 milhões de pessoas, metade da população brasileira. Seriam alcançados os beneficiários do programa Bolsa Família, os inscritos no Cadastro Único, mas ainda fora do Bolsa Família, e trabalhadores informais de baixa renda.

Chamado de “Seguro Quarentena” e válido enquanto durassem as medidas de isolamento social, a proposta petista custaria R$ 104,5 bilhões por mês, o equivalente a 1,4% do PIB. Em seis meses, o total a ser distribuído chegaria a R$ 630 bilhões, cerca de 75% da economia prevista com a reforma da Previdência, em 10 anos.

Outras propostas vão na mesma direção, com alcance não tão amplo de pessoas, mas com proteção por prazo maior. A economista Monica de Bolle, por exemplo, que puxou o debate da necessidade de romper com as regras de controle fiscal e injetar recursos públicos no reforço da Saúde e na proteção de pessoas e empresas, propôs uma renda universal de R$ 1.000 por mês, por 12 meses, para 36 milhões de pessoas inscritas no Cadastro Único, mas fora do Bolsa Família. Uma despesa de R$ 36 bilhões (0,4% do PIB) por mês, num total de R$ 432 bilhões (6% do PIB), em 12 meses.

Não custa lembrar que os Estados Unidos acabam de aprovar um programa que mobiliza um volume inédito de recursos públicos para sustentar pessoas e empresas. Serão despejados US$ 2 trilhões, o equivalente a 10% do PIB americano, nessa gigantesca operação de resgate.

A outra face da proteção social, aquela que prevê amparar empresas e empregos, mira no adiamento do pagamento de tributos e outras obrigações pelas empresas, assim como na oferta de crédito a juros subsidiados. Nessa direção, o Fed (Federal Reserve, banco central americano), já havia disponibilizado US$ 1,5 trilhão de dólares, mas aumentou a aposta e se presta agora a bancar, com a recompra de títulos, praticamente qualquer dívida — de empresas ou mesmo de pessoas.

Ao redor do mundo, as torneiras abertas para sustentar empresas e empregos mobilizam perto de 20% do PIB de cada país. Este é agora o padrão apresentado por Alemanha, Espanha, França e Reino Unido. Diante deste quadro, o governo brasileiro continua se mostrando atrasado e tímido. Excetuado o volume de recursos colocado à disposição dos bancos pelo Banco Central, via linhas diretas de empréstimos ou aumento de recursos disponíveis nos bancos, pelo relaxamento de provisões, o total anunciado pelo governo mal passa de 2% do PIB. Pior do que isso, até agora, uma semana depois do anúncio, nenhum centavo desses recursos saiu dos cofres públicos.

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Conter contágio da Covid-19 a todo custo ou salvar a economia? Falso dilema http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/conter-contagio-da-covid-19-a-todo-custo-ou-salvar-a-economia-falso-dilema/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/conter-contagio-da-covid-19-a-todo-custo-ou-salvar-a-economia-falso-dilema/#respond Tue, 24 Mar 2020 20:24:36 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1244 Empresários brasileiros estão ecoando uma posição polêmica sobre a melhor estratégia para combater o pandemia de Covid-19 e, ao mesmo tempo, preservar a economia de choques devastadores. O mote que provocou a controvérsia foi lançado pelo presidente americano Donal Trump, e pode ser resumido assim: a cura pode ser pior do que a doença.

A ideia por trás dessa afirmação é a de que o isolamento horizontal e radical da população tende a provocar o colapso da economia. E esta, paralisada e sem poder garantir empregos, provocará uma devastação social, que atingirá a todos, e ainda mais intensamente aos mais pobres, inclusive com mais mortes.

Importado quase instantaneamente para o Brasil, o argumento foi comprado pelo presidente Jair Bolsonaro. “A vida em primeiro lugar”, disse o presidente, nesta segunda-feira (23). “Mas, sem emprego”, continuou, “a sociedade enfrentará um problema tão grave quanto a doença: a miséria”.

Era senha para que empresários assumissem publicamente a defesa de uma estratégia mais seletiva de contenção do Covid-19, focada em grupos de riscos, como idosos e portadores de doenças crônicas. “O país não aguenta, não pode parar dessa maneira, as pessoas têm que produzir e trabalhar, não podemos parar por conta de cinco ou sete mil pessoas que vão morrer”, disse o dono da rede de lanchonetes Madero, Junior Durski, em suas redes sociais, numa declaração que provocou forte rejeição também nas redes sociais.

“Isso é grave, mas as consequências que vamos ter economicamente no futuro vão ser muito maiores do que o número de pessoas que vai morrer agora com o coronavírus”, completou Durski. Essas “consequências muito maiores”, para o empresário, se traduziriam na morte de 300 mil a 500 mil pessoas, nos próximos dois anos, em razão de problemas derivados da pobreza e da violência, potencializadas pelo desemprego de milhões de trabalhadores.

No pacote de convicções que sustenta este tipo de argumento, podem-se encontrar referências a uma espécie de “muito barulho por nada” – ou, pelo menos, quase nada -, em relação aos impactos da pandemia. A menção de Bolsonaro à sensação de que estava ocorrendo uma “histeria” sem base nos fatos, resume a tese.

A falta de conhecimento já bem estabelecido sobre a doença Covid-19 é o terreno fértil em que vicejam as teorias interessadas em dar maior peso às consequências sociais dos problemas econômicos gerados pela estratégia do isolamento social em massa do que aos impactos e riscos diretos do contágio pelo novo coronavírus na saúde das pessoas. Em artigo neste domingo (22), Thomas Friedman, colunista do jornal New York Times e um dos jornalistas mais influentes do mundo, adotou a ideia de que a baixa letalidade do Covid-19 recomenda a adoção de medidas de interdição “verticais e cirúrgicas”, não massificadas e horizontais.

Assim, segundo Friedman e alguns especialistas, seria possível salvar tantas vidas quanto possível e manter o sistema de saúde operante, mas sem destruir a economia e, como resultado do colapso econômico, perder mais vidas. Para eles, a solução mais eficiente, além de concentrar o isolamento nos grupos de risco, incluiria a redução dos períodos de quarentena.

A ideia é tentadora, mas seu grande risco é o de cair naquela vala das soluções simples – e equivocadas. Os governos de países da Europa que, no início do ciclo da doença em seus territórios, adotaram a estratégia seletiva foram obrigados a recuar e agora determinam isolamentos drásticos da população.

Depois da dramática perda de controle da doença na Itália, Espanha, França e até Reino Unido – de início, o mais refratário a esse estratégia -, além do emprego de montanhas de recursos para procurar manter a economia de pé, estão tentando garantir, sob pressão de forças policiais nas ruas, que a população permaneça em casa.

Nesses países, o isolamento seletivo e vertical não funcionou. O descontrole  resultou em colapso do sistema hospitalar, atingindo vítimas da Covid-19 e de outras doenças – doentes cardíacos, pessoas com câncer, idosos com doenças respiratórias, acidentes vasculares -, que passaram a disputar leitos hospitalares e UTIs. Em consequência, as taxas de letalidade começaram a aumentar, quando não a explodir.

Diferentemente da teoria do isolamento vertical e cirúrgico, o economista Marcelo Medeiros defende a tese segundo a qual quanto mais imediato e completo for o isolamento, melhor para a saúde e a economia. Referência brasileira em questões de desigualdade social, atualmente lecionando na prestigiosa Universidade de Princeton, na costa leste dos Estados Unidos, Medeiros tem sido ativo nas redes sociais, oferecendo ao debate programas completos mitigação dos impactos econômicos e sociais da pandemia, no Brasil.

“É economicamente mais vantajoso gastar mais agora, porque o gasto total será menor e mais facilmente se pagará”, calcula o economista. Para ele, isolamento mais seletivo só quando se souber mais sobre a doença, mais testes estiverem disponíveis, tratamentos mais eficazes tiverem sido descobertos e a capacidade de hospitais tiver se expandido, incluindo equipamentos como respiradores e o contingente de profissionais da área. 

Tudo que gira em torno da pandemia do Covid-19 sugere uma situação de guerra. Nas guerras, decisões são difíceis e nem sempre corretas, acarretando perdas humanas que poderiam ser evitadas. Entre conter o contágio do Covid-19 ou salvar a economia, o risco maior ainda é o de escolher uma das faces de um possível falso dilema.

  

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Visão míope de Bolsonaro sobre efeitos da pandemia deixa país desprotegido http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/visao-miope-de-bolsonaro-sobre-efeitos-da-pandemia-deixa-pais-desprotegido/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/24/visao-miope-de-bolsonaro-sobre-efeitos-da-pandemia-deixa-pais-desprotegido/#respond Tue, 24 Mar 2020 11:00:29 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1235 Enquanto governos de outros países estão destinando entre 10% do PIB e 20% do PIB em recursos para enfrentar os impactos sanitários, sociais e econômicos da pandemia de Covid-19, o governo do presidente Jair Bolsonaro, na prática, ainda não mobilizou muito mais de 2% do PIB com o mesmo objetivo.

A timidez da ação do governo brasileiro não deixa de refletir a convicção de Bolsonaro segundo a qual o surto da doença que tem aterrorizado o mundo não passa de uma “gripezinha”, que logo será debelada sem as graves consequências apregoadas. Outra diferença, em relação ao resto do mundo, diz respeito ao tratamento a trabalhadores que possam ser atingidos por colapsos na produção e nas vendas.

Em boa parte dos países, governos estão mobilizando recursos para subsidiar, pelo menos parcialmente, salários de trabalhadores atingidos por redução ou suspensão de jornadas de trabalho. Na alta noite deste domingo (22), uma medida provisória, assinada por Bolsonaro e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, permitiu às empresas suspender contratos de trabalho por até quatro meses, sem que fosse oferecida qualquer compensação aos empregados alcançados pelo corte temporário.

A revolta que se espalhou pelas redes sociais, repercutiu no Congresso e fez Bolsonaro anunciar, logo na manhã desta segunda-feira (23), a retirada do artigo da medida provisória que permitia cortar a remuneração do empregado deixando-o sem renda alguma. Mas outros pontos do texto, que altera relações de trabalho por força da crise que Bolsonaro relativiza, também são polêmicos e em geral prejudiciais aos empregados. Para muitos, ficou a impressão de que, mais uma vez, o presidente e seu ministro tentaram pegar carona em algum evento acidental – no caso a grave pandemia da Covid-19 – para atacar direitos trabalhistas.

Mesmo para as empresas, pretensamente favorecidas pela medida provisória, o alcance da MP é curto. Se, de um lado, elas são de fato beneficiadas por alívios temporários no cumprimento de obrigações trabalhistas, de outro, nenhuma rede de proteção para a previsível interrupção abrupta de faturamento foi oferecida.

No resto do mundo, a reação quase imediata foi prover liquidez para mercados, empresas e trabalhadores. A revista “The Economist” estima que, em termos globais, governos estão destinando o equivalente a 2% a 2,5%  do PIB mundial a ações de mitigação dos efeitos da pandemia. Isso significa o bombeamento de US$ 2,6 trilhões a US$ 3,25 trilhões no conjunto das economias do planeta.

Só nos Estados Unidos, a previsão é de que seja despejado na economia americana pelo menos metade dos gastos mundiais. Parte desse dinheiro seria usado para enviar pelo menos US$ 1 mil a cada americano. O restante garantiria a sobrevivência de empresas afetadas com a interrupção de seus negócios.

Prover recursos, sem medir consequências fiscais futuras, para manter as empresas e garantir condições de sobrevivência às pessoas tem sido, a palavra de ordem também nos países europeus. Na França, o presidente Emmanoel Macron deu o tom geral: “Nenhuma empresa, do tamanho que for, correrá risco de quebrar por causa do vírus”.

Na Alemanha, o governo de Angela Merkel anunciou novo pacote com recursos de até US$ 750 bilhões para enfrentar a crise, elevando o aporte de dinheiro para sustentar pessoas e empresas na crise a enormes 30% do PIB. Do total do novo pacote, US$ 180 bilhões, ou 6% do PIB, foram reservados apenas para proteger pessoas. Mesmo a Espanha, convalescente de longa restrição fiscal, está abrindo as torneiras e destinando cerca de 20% do PIB a medidas de proteção social e econômica contra os efeitos da Covid-19.

Até no Reino do Unido, liderado pelo populista de direita Boris Jonhson, a preocupação com as condições de sobrevivência das pessoas falou mais alto. O governo britânico vai garantir até 80% da remuneração dos trabalhadores de baixa renda que tenha sido afetados por suspensão do contrato de trabalho. Destinará também um montante de US$ 400 milhões a trabalhadores por conta própria

No Brasil, os números são ainda são muito mais modestos. No total, as medidas anunciadas somam pouco mais de R$ 800 bilhões, equivalentes a quase 11,5% do PIB. Parece bastante, mas não é. Na verdade, 75% desse montante se referem a flexibilizações de regras de provisão bancária, permitindo alargar o volume de recursos disponível para empréstimos. A entrada do dinheiro em circulação não é automática e depende do interesse dos bancos em emprestar, das taxas a serem cobradas e de empresas e pessoas desejarem o crédito.

Em dinheiro sonante para valer, na proteção de trabalhadores e empresas contra os efeitos da paralisação dos negócios, o total oferecido pelo governo mal passa de R$ 150 bilhões (US$ 30 bilhões), equivalentes a diminutos 2% do PIB. Para o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), será necessário no mínimo o dobro desse montante para proteger pessoas e empresas.

Pode parecer que a essa timidez tenha a ver com as dificuldades de uma economia emergente, às voltas com graves restrições fiscais. Estará mais perto da verdade, porém, quem considerar que a modéstia do pacote brasileiro para enfrentar a devastação do coronavírus se deve a uma visão míope do governo Bolsonaro a respeito dos desdobramentos sociais e econômicos da pandemia.

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União Europeia aciona botão de pânico e retira limites para gastos públicos http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/20/uniao-europeia-aciona-botao-de-panico-e-retira-limites-para-gastos-publicos/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/20/uniao-europeia-aciona-botao-de-panico-e-retira-limites-para-gastos-publicos/#respond Fri, 20 Mar 2020 19:34:52 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1231 A União Europeia (UE) acionou, nesta sexta-feira (20), a “cláusula geral de escape”, uma regra que permite aos países membros desconsiderarem as rígidas normas de controle fiscal adotadas pelo bloco. É a primeira vez que este autêntico botão de pânico é disparado, desde que a UE passou a existir oficialmente, em novembro de 1993.

Com a decisão, a partir de agora os países do bloco poderão gastar o quanto acharem necessário, na proteção de famílias e empresas, como forma de enfrentar os violentos impactos sociais e econômicos da pandemia de Covid-19.

Por tempo não determinado, estão suspensas as limitações impostas por metas fiscais e níveis da dívida pública. “Prometemos que faríamos tudo para apoiar os europeus e as empresas europeias durante a crise”, justificou Ursula von der Leven, presidente da Comissão Europeia, em vídeo no Twitter. No dia anterior, as autoridades da UE já tinham relaxado a regra que impunha condições à ajuda dos governos a empresas.

A decisão da UE pode servir como estopim para uma sucessão de decisões de outros países, na mesma direção.

 

 

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Sem poder fazer muito para puxar economia, BC leva juros reais a quase zero http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/18/sem-poder-fazer-muito-para-puxar-economia-bc-leva-juros-reais-a-quase-zero/ http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/2020/03/18/sem-poder-fazer-muito-para-puxar-economia-bc-leva-juros-reais-a-quase-zero/#respond Wed, 18 Mar 2020 22:01:45 +0000 http://josepaulokupfer.blogosfera.uol.com.br/?p=1226 O desafio do Copom (Comitê de Política Monetária), na decisão desta quarta-feira (18), não era mexer ou não mexer na taxa básica de juros, que já estava no seu nível histórico mais baixo, em 4,25% nominais ao ano. Era definir quanto deveria ser o tamanho do corte.

Ao escolher, por decisão unânime, reduzir a taxa em 0,5 ponto percentual, trazendo a taxa Selic para 3,75%, o Copom optou pela coluna do meio. Se a queda fosse de apenas 0,25 ponto, seria muito barulho por nada. Se fosse de um ponto, o sinal transmitido poderia ser o de que só faltava acionar o botão de salve-se quem puder. Com a decisão, a taxa básica real de juros está agora perto de zero, em 0,25%.

Ficar no meio do caminho tem a vantagem de não produzir marolas em mar encapelado. Afinal, a esta altura da gigantesca crise econômica em curso, não é muito o que a política monetária (política de juros) tem a oferecer para estimular a atividade econômica. Tanto isso é verdade que os termos do comunicado divulgado no encerramento da reunião dão a entender que novos cortes de juros estão fora do horizonte dos diretores do Banco Central.

Juros mais baixos, nas circunstâncias atuais, têm duas serventias mais relevantes. Primeiro, ajudam a reduzir encargos de dívidas quando muitos, por paralisação de suas fontes de renda, enfrentam dificuldades para saldar compromissos financeiros. Segundo, e mais importante, colabora para a manutenção da estabilidade financeira possível.

Normalmente, a política de juros é usada para calibrar os índices de inflação, muitas vezes de olho nos movimentos da atividade econômica. Quando a inflação está baixa, em razão de encolhimento da demanda, juros menores abrem canais de crédito e estes tendem a puxar a economia para cima, pela via do consumo. No sentido inverso, subir juros, com inflação em alta e demanda idem, também é padrão.

Em regimes de câmbio flutuante, como é o regime cambial brasileiro, taxa de câmbio e juros são vasos comunicantes, operando em direções contrárias. Em ambientes econômicos normais, quando os juros básicos sobem, o real se valoriza ante o dólar. No caminho inverso, juros básicos em queda costumam pressionar a cotação do dólar para cima.

Uma das causas desses movimentos é a diferença entre os juros internos e externos. Taxas internas mais altas atraem moeda estrangeira e o câmbio se valoriza. Já quando os juros domésticos se aproximam mais dos externos, a atração para detentores de moeda estrangeira do mercado financeiro doméstico se reduz.

Manter alguma diferença entre taxa básica interna e externa é uma das razões que deve ter levado o Copom a cortar a taxa Selic agora. Como o Federal Reserve (Fed, banco central americano) acabou de jogar os juros de referência nos Estados Unidos, em termos nominais, para zero, era recomendável reduzìr também os juros por aqui.

Normalmente, essa decisão poderia trazer algum pressão sobre a taxa de câmbio, facilitando desvalorizações do real ante o dólar. Mas, na situação de calamidade global dos dias de hoje, isso não fará muita diferença. A preferência pela liquidez e o chamado “voo para a qualidade” são totais, com os recursos correndo para o dólar e os títulos do Tesouro americano – o que explica, em parte, as fortes desvalorizações do real no momento.

Também as pressões inflacionárias que um dólar mais alto poderia normalmente exercer, no atual cenário, perdem um pouco o sentido. Com a economia em quase colapso, perspectivas de desemprego em massa, não há consumo possível para empurrar a inflação ladeira acima.

Tanto que as projeções para a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) são de sucessivas baixas. Já há, inclusive, previsões de que a taxa de inflação possa terminar 2020 abaixo do piso do intervalo da meta de inflação do ano (centro da meta em 4%, com 2,5% de piso e 5,5% de teto). Reflexo direto das projeções de crescimento muito e mesmo de contração para a economia brasileira em 2020.

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