Quem são os 5 milhões que nem procuram emprego? Pesquisadora da GV responde
José Paulo Kupfer
29/10/2019 04h00
A recessão mais profunda e a recuperação mais lenta da história econômica brasileira documentada têm deixado sequelas no mercado de trabalho. Além de uma taxa de desemprego ainda muito elevada, a economia quase parada resultou em volumes recordes de mão de obra subutilizada e de trabalhadores desalentados, aqueles que desistiram, pelo menos temporariamente, de buscar por uma ocupação. Resultou também em número recorde de trabalhadores informais.
São mais de 12 milhões de desempregados e, em conjunto com quem trabalha menos horas do que poderia e desejaria, um contingente que chega a 28 milhões de pessoas – um em cada quatro integrantes da força de trabalho. O número daqueles que, no momento, não consideram valer a pena ir atrás de uma colocação se encontra perto de 5 milhões de pessoas.
A população ocupada tem crescido, somando agora mais de 90 milhões de trabalhadores. Mas esse crescimento tem ocorrido com base na ampliação do número de trabalhadores informais, aqueles que ocupam posições sem carteira assinada e, quando atuam por conta própria, operam sem registros. Em agosto, o grupo de informais ficou perto de 40 milhões de pessoas, representando pouco mais de 40% da população ocupada.
Entender e avaliar o fenômeno dos atuais recordes de informalidade e do desalento no mercado de trabalho brasileiro tem sido um dos esforços da economista Laísa Rachter, pesquisadora do Ibre- FGV (Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas). "As distâncias de escolaridade entre o trabalho formal e o informal estão caindo, mas as diferenças de remuneração continuam aumentando", diz Laísa ao analisar as alterações em curso no mercado de trabalho. "O segmento informal está remunerando cada vez menos, numa indicação do avanço do processo de precarização no mercado de trabalho", conclui a pesquisadora.
Na entrevista a seguir, Laísa Rachter traça o perfil dos desalentados e explica as mudanças que estão ocorrendo no mercado de trabalho com o avanço da informalidade.
O número de trabalhadores desalentados, ou seja, que desistiram de procurar trabalho, mais do que dobrou de 2012 para cá. Quais são as razões desse fenômeno?
De fato, hoje são quase 5 milhões de trabalhadores que não procuram trabalho porque acham que não conseguirão colocação. Esse número explodiu a partir de 2015, já em plena recessão, alcançando um recorde em 2019.
Analisando as respostas à PNAD Contínua (Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios Contínua), as razões principais do desalento podem ser resumida em quatro grupos. O primeiro é aquele em que o trabalhador simplesmente acha que não encontraria trabalho adequado para ele. Também pode ter desistido por se considerar muito jovem ou muito idoso ou por achar que não tinha experiência profissional ou qualificação suficiente e ainda alegar falta de trabalho na localidade em que reside.
Qual é a causa principal?
A falta de trabalho na localidade de residência é a mais relatada, com 63% das respostas, seguida, com cerca de 20%, da justificativa de não ter encontrado trabalho adequado. Mais abaixo, com 10% das respostas, aparece a restrição etária, ser muito jovem ou muito idoso. Por último, a falta de qualificação ou experiência profissional. Vale destacar que a incidência das respostas não variou significativamente de 2015 a 2019.
E onde estão os desalentados?
Essa é uma informação importante porque os desalentados consideram a falta de trabalho na localidade onde se encontram como fator principal da desistência em procurar colocação. Dados da PNAD Contínua do segundo trimestre de 2019 mostram que cerca de 60% dos desalentados estão no Nordeste, com destaque para Bahia e Maranhão. Na Bahia estão 15,7% de todos os desalentados.
Em São Paulo se encontram quase 10% do total de desalentados, e em Minas Gerais, pouco menos de 9%. Na região Norte estão 9,9% dos desalentados, com o Pará respondendo por 5,5% do total nacional. Os menores percentuais são o do Centro-Oeste, com 3,9% do total e o do Sul, com 4,9%.
É possível dizer quem é o desalentado?
Sim, a análise dos dados da PNAD Contínua, no segundo trimestre de 2019, permite classificar o desalentado padrão como jovem, mulher, pardo ou preto, que não completou o ensino fundamental. Um terço dos que desistiram de procurar trabalho têm até 23 anos, o contingente de mulheres no grupo dos desalentados alcança 55,2% do total, 73% são pretos ou pardos e 41,2% não completaram o ensino básico.
O que se poderia destacar no grupo de desalentados?
A participação das mulheres vem diminuindo de 2012 para cá. No segundo trimestre daquele ano, o percentual de mulheres na categoria dos desalentados era superior a 60%. Desde então, houve um recuo de seis pontos percentuais. Nesse mesmo intervalo de tempo, também caiu a parcela de pessoas sem ensino fundamental completo entre os desalentados. Eles eram quase 50% do total em 2012 e agora somam pouco mais de 40%. Ao mesmo tempo, aumentou, no período, o número de desalentados com ensino médio completo, de 20% para 25%.
Com o aumento da informalidade, o que mudou no mercado de trabalho?
A mudança na composição do mercado de trabalho, como reflexo da recessão profunda e da recuperação muito lenta, promoveu um corte na remuneração em geral. Um trabalhador que entra no mercado informal hoje, recebe remuneração menor do que a obtida por quem já está no trabalho informal, ainda que o nível de escolarização seja semelhante. O segmento informal está remunerando cada vez menos. Isso é uma indicação do avanço do processo de precarização no mercado de trabalho.
Houve também mudanças nas diferenças entre trabalhadores formais e informais?
Quando comparamos a situação de trabalhadores formais e informais, no intervalo que vai desde o primeiro trimestre de 2014, o último antes do início da recessão, até agora, observamos que a diferença de escolarização caiu cerca de 20%. Essa diferença era de 3 anos e recuou para 2,4 anos.
No caso da renda, o aumento na diferença da renda média real habitual dos dois grupos foi de 10%. O valor saiu de R$ 1.830 para R$ 2.010.
Tudo mais constante, o que se esperaria, diante da nova composição do mercado de trabalho, em decorrência da queda da formalização, é que o salário dos informais subisse, já que diminuiu a diferença de escolarização para os formais. Mas a diferença de renda aumentou. É possível que a produtividade maior do trabalhador formal, em relação ao informal, potencialmente menos produtivo, esteja falando mais alto.
Sobre o Autor
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
Sobre o Blog
Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.