Megaleilão do pré-sal não foi megafracasso, mas frustrou expectativas
José Paulo Kupfer
06/11/2019 18h06
As primeiras avaliações, no mercado financeiro, em relação ao resultado do megaleilão de petróleo da cessão onerosa, realizado nesta quarta-feira 6), foram as de que se tratou de um "megafracasso". Os resultados, de fato, ficaram bem abaixo das expectativas. Mas, para variar, o carimbo do mercado pode ser considerado exagerado.
Embora o volume arrecadado tenha sido menor e quase nulo o interesse de empresas estrangeiras, entrou dinheiro alto. E, ainda que às custas de algum endividamento adicional da Petrobras, o caminho da aceleração na exploração do petróleo brasileiro no pré-sal, antes travado, foi reaberto.
Encerrado o leilão, as reações nos mercados de ativos refletiam um sentimento de decepção. A Bolsa recuou, ajudada pela queda das cotações das ações da Petrobras, o dólar deu um tranco para cima e os juros futuros subiram.
Teria pesado nesse movimento de baixa geral nas cotações, de acordo com analistas do mercado, a sensação de que, na visão do investidor externo, o mercado brasileiro não se mostra tão atraente quanto se tem tentado vender. A esse respeito, vale conferir como se desenrolará o leilão desta quinta-feira, no qual cinco blocos do pré-sal serão ofertados, a lances mais modestos, de R$ 8 bilhões.
Quando o pré-sal foi descoberto, em meados dos anos 2000, um debate inicial se travou em torno do ritmo de extração de óleo, um bem não renovável e com volume de reservas mundiais considerado bem delimitados. Com o tempo, além da descoberta de novas formas de extrair óleo, caso do gás de xisto, por pressões principalmente ambientais, a tendência de uso do petróleo apontou uma trajetória descendente, pelo menos nas economias mais maduras.
As projeções são de que a curva de demanda por petróleo permanecerá em elevação até 2040, com China e Índia liderando o consumo. Ao Brasil, produtor em ascensão no âmbito mundial, está reservado papel de relevo entre os principais fornecedores.
Explorar mais rápido e em maior quantidade as enormes reservas localizadas na região do pré-sal ao longo da costa brasileira passou a ser, mais recentemente, estratégia quase indiscutivelmente aceita. Mas, por limites ao endividamento, a Petrobras não poderia operar sozinha no novo ritmo demandado.
Enquanto a estatal foi mantida como operadora única do pré-sal, entre 2010 e 2015, só três leilões foram realizados. E a produção cresceu menos do que o esperado. Em 2011, a projeção para 2020, era a da extração de mais de 6 milhões de barris/dia. Vai chegar lá com metade do previsto.
É possível que a falta de uma definição prévia do valor que deveria ser pago à Petrobras como compensação pelos investimentos já feitos nas áreas licitadas tenha sido o fator chave para afastar os concorrentes estrangeiros.
Ainda que com critérios de cálculo pré-estabelecidos, o total da compensação só seria conhecido depois do desembolso pelo lance vencedor, em negociações específicas com a estatal. Esse risco pode ter sido considerado alto demais, mesmo com a garantia do início da extração imediata de volumes elevados de óleo.
Com a omissão das petroleiras estrangeiras inscritas e protagonismo da Petrobras, só dois dos quatros campos ofertados foram arrematados, sem concorrência e sem ágios. O evento acabou arrecadando recursos equivalentes a apenas dois terços do esperado pelo governo. E os desembolsos, exceto uma pequena fatia de 10% assumida por empresas chinesas, caíram todos na conta da estatal brasileira.
Metade dos R$ 70 bilhões obtidos serão transferidos à própria Petrobras, para ajuste de uma dívida de 2010 do governo com a empresa, também referente à cessão onerosa. Assim, os recursos a serem repassados a União, Estados e municípios, para alívio das contas públicas, sofreram redução pela metade. O bolo a ser dividido entre União (67%), Estados (15%), municípios (15%) e Rio de Janeiro (3%), encolheu de R$ 71 bilhões para R$ 35 bilhões.
A redução dos repasses pode ter alguma repercussão negativa nas discussões das novas PECs (Propostas de Emenda à Constituição), enviadas esta semana ao Congresso pelo governo. Mas a verdadeira questão, mais antiga, que permanece, é outra: é mais eficiente e produtivo queimar os recursos de leilões do pré-sal em alívio momentâneo dos desequilíbrios fiscais ou aplicá-los em infraestrutura ou outros mecanismos que elevem, de forma mais permanente, a competitividade da economia?
Sobre o Autor
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
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