Guedes escolhe culpado errado para justificar fracasso no leilão do pré-sal
José Paulo Kupfer
07/11/2019 19h44
Não é desejável, mas é normal, e bastante comum, ministros falarem qualquer coisa quando querem desviar o assunto das verdadeiras causas de ações do governo que não deram certo. O ministro Paulo Guedes, por exemplo, é um especialista nessa praxe.
Guedes repetiu a cena agora no caso do mal-sucedido leilão de áreas da cessão onerosa do pré-sal. Em duas sessões nesta semana, o evento configurou um fracasso, pelo menos diante das expectativas propagadas pelo governo Bolsonaro. Das nove áreas ofertas, só três foram arrematadas, todas pela Petrobras, duas em associação minoritária com chineses. Sem lances de estrangeiros, as áreas saíram em lances únicos, sem ágios. O ministro, sem esconder a surpresa com a frustração dos resultados, culpou o que não devia – o regime de partilha – pelo ocorrido.
Até estava demorando a aparecer quem culpasse o regime de partilha na exploração de petróleo pelo insucesso dos leilões de óleo da cessão onerosa. Sempre que algum leilão de óleo e gás, sob o regime de partilha, dá errado, a tentação é culpar o formato e lembrar que o regime de concessão, menos exigente nas formas de pagamento ao governo concedente, e, portanto, com negociações menos complicadas, é o mais usado no mundo e seria mais adequado.
No regime de partilha, a petroleira opera como parceira do governo, pagando a este um excedente em óleo, resultado da diferença entre o volume produzido e o custo de produção, acrescido de royalties. No regime de concessão, que é o mais comum também no Brasil, a empresa corre o risco de encontrar ou não encontrar óleo, mas é dona de toda a produção, pagando ao governo pela própria concessão, mais tributos de exploração variados e royalties.
No caso específico dos leilões desta semana, que resultou em números por volta de menos da metade do que estimava o governo, a divergência entre partilha e concessão, não se aplica. Por se tratar de áreas da cessão onerosa, com reservas conhecidas e já em exploração, não havia qualquer risco exploratório em jogo. As áreas se encontram nas regiões que fizeram parte do processo de capitalização da Petrobras, em 2010, no qual o governo colocou recursos financeiros na empresa em troca da cessão de barris de petróleo a serem extraídos futuramente no local.
Além disso, a extração de óleo e gás poderia ser quase imediata. Não seria necessário incorrer nos enormes custos para começar a explorar, comuns em áreas desconhecidas, que em geral demandam em torno de cinco anos entre a descoberta do campo e o início da exploração.
Seria melhor, portanto, que o ministro Guedes e o governo fossem procurar explicações para a desistência dos candidatos estrangeiros em outros escaninhos. Por exemplo, a modelagem mal feita do leilão, que deixou para depois a negociação com a Petrobras das compensações pelos investimentos anteriores nos campos — um risco alto, um tipo de salto no escuro, para quem já teria desembolsado alto para arrematar a área.
Também o momento menos propício, coincidindo, entre outros eventos, com o lançamento de ações pela gigante Aramco, da Arábia Saudita. E, não menos importante, as dúvidas sobre a segurança institucional do negócio, num país cujo presidente e o núcleo mais próximo dele insiste em provocar discórdias e chamar confrontos, alimentando turbulências na esfera política doméstica e nas relações internacionais.
Sobre o Autor
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
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