O que levou à alta do dólar e o que pode mudar na economia com isso
José Paulo Kupfer
19/11/2019 17h33
Depois de ter tocado na máxima de R$ 4,21, a cotação do dólar perdia um pouco de fôlego, mesmo sem intervenções do Banco Central, no meio da tarde desta terça-feira (19), mas fechando o dia a R$ 4,20. Nas casas de câmbio, o dólar turismo saía a R$ 4,40. Volatilidade é o nome do jogo de momento no mercado cambial.
A escalada da moeda americana vem desde o relativo fracasso do leilão de áreas da cessão onerosa de petróleo, no começo de novembro. A ausência de lances das petroleiras estrangeiras inscritas acendeu uma luz amarela sobre o interesse do investidor externo na economia brasileira.
Observaram-se, a partir daí, ajustes nas posições cambiais, tanto no mercado à vista quanto no mercado de contratos futuros da moeda americana. O efeito da frustração com a previsão não confirmada da entrada de maiores volume de dólares com o leilão do pré-sal resultou na decisão de desfazer posições.
Havia, no mercado, apostas generalizadas de queda nas cotações do dólar, com a expectativa do ingresso de grandes volumes de moeda com o leilão e os aportes subsequentes. Um mês antes do leilão, fundos carregavam mais de US$ 15 bilhões em posições vendidas, que expressam apostas em queda nas cotações. Na véspera do leilão, posições vendidas já não passavam de US$ 3,5 bilhões. Nesta segunda-feira, fundos detinham posições compradas superiores a US$ 1 bilhão. As apostas agora são de alta do dólar.
Outras razões ajudam a explicar a reviravolta no mercado cambial. A primeira delas tem a ver com o estreitamento da diferença entre as taxas de juros internas e externas. Reduziram-se em muito os atrativos de trazer dólares para o mercado brasileiro e ganhar com os juros mais altos praticados no Brasil depois que o Banco Central acelerou o ciclo de cortes dos juros básicos, trazendo-os a inéditos 5% nominais ao ano.
Também é preciso considerar o movimento, que até aqui não chamava tanta atenção, de troca de dívidas em moeda estrangeira por financiamentos em reais. Devedores em dólares aproveitaram a forte redução da taxa básica de juros doméstica para liquidar empréstimos no exterior e renová-los em reais. A procura por dólares para quitar dívidas em moeda estrangeira resultou em pressão sobre a taxa de câmbio.
A permissão para que empresas exportadoras brasileiras mantenham receitas de exportação no exterior, como forma de fazer frente a compromissos em moeda estrangeira, também operam para reduzir a oferta de dólares no mercado cambial brasileiro. Deve-se considerar ainda um efeito calendário adverso. É época de remessas de empresas estrangeiras que operam no Brasil para suas matrizes.
Na mesma direção, é tempo de acertos nos empréstimos que matrizes fazem a subsidiárias. Completando o quadro conjuntural, não se pode esquecer que este é um momento em que o dólar registra alta ante praticamente todas as moedas de economias emergentes.
Entre as forças que atuam na formação das cotações do dólar, é possível encontrar agora tanto as que podem contribuir para pressionar a taxa de câmbio para cima quanto aqueles capazes de colaborar para distendê-la e empurrar a moeda americana para baixo. Apostas de analistas internacionais na perda de força da moeda americana em termos globais é um elemento em favor da queda nas cotações. Ao mesmo tempo, as turbulências políticas na América do Sul, incluindo incertezas produzidas pelo estilo de governar do presidente Jair Bolsonaro, atuam na direção de um câmbio mais desvalorizado.
Projetar níveis futuros da taxa de câmbio, não custa lembrar, é um exercício que se presta a humilhar os economistas, dada a virtual impossibilidade de mensurar os efeitos de todos os aspectos envolvidos na determinação do comportamento do mercado cambial. Tudo pesado e considerado, contudo, as perspectivas são de que o degrau de R$ 4,10 a R$ 4,20 por dólar veio para ficar por um tempo. A amplitude dos impactos desse novo patamar sobre a atividade econômica dependerá do nível de transmissão da alta do câmbio para os preços.
A hipótese de uma até aqui não prevista parada no ciclo de cortes das taxas básicas de juros, por exemplo, aumenta na medida em que a inflação repercuta pressões cambiais. Isso vai depender da intensidade da recuperação da atividade econômica, neste fim de ano. Se a economia sair da letargia, como se passou a prever, depois dos estímulos à demanda aviados pelo governo, o quadro da conjuntura econômica pode exigir alterações no roteiro que vinha sendo desenhado. Uma freada no impulso de expansão da economia, para evitar pressões inflacionárias, volta ao radar.
Sobre o Autor
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
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Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.