Inexperiência e incompetência fazem sobrar dinheiro nas gavetas do governo
José Paulo Kupfer
31/01/2020 04h00
Não é só o Enem, a gigantesca fila para liberação de benefícios do INSS e os atrasos nos repasses do Bolsa Família que indicam um perigoso flerte do governo Bolsonaro com a inexperiência e a incompetência. O mesmo problema pode ser localizado na administração do Orçamento federal.
Com a publicação do resultado das contas do governo federal em 2019, constata-se que, enquanto o governo alegava falta de recursos para atender a diversas demandas do público, dinheiro já previsto no Orçamento ficou parado nas gavetas de ministérios e órgãos públicos.
O volume de recursos que os administradores federais tinham à disposição, mas não conseguiram gastar, chegou, em 2019, a quase R$ 25 bilhões. O fenômeno, conhecido como "empoçamento", também ocorria em governos anteriores, mas em proporções muito menores.
O "empoçamento" se configura quando os responsáveis pelos órgãos do governo não conseguem gastar o que estava previsto. O volume de recursos que, embora previsto e reservado, ficou nas gavetas oficiais, no primeiro ano de Bolsonaro, é simplesmente três vezes maior do que o total que deixou de ser usado, depois de destinado, em 2018.
Há um variado número de motivos a explicar o "empoçamento". Um deles remete à qualidade da estrutura das contas públicas. Quando a arrecadação depende muito de receitas extraordinárias, em detrimento dos ingressos correntes e previsíveis, como foi o caso deste primeiro ano do governo Bolsonaro, a dificuldade em administrar a meta de resultados primários acaba alimentando os "empoçamentos".
Isso porque, nesses casos, primeiro o governo contingencia recursos e só mais tarde, com o ingresso de arrecadação extraordinária, libera os recursos. Essa dificuldade ocorreu com o dinheiro obtido no leilão da cessão onerosa do pré-sal, só realizado em novembro, em cima do encerramento do exercício.
Qualquer que seja a explicação, contudo, é impossível escapar da sombra de incompetência na administração pública. Não por coincidência, o maior "empoçamento" do ano passado ocorreu no ministério da Educação, à frente do qual o ministro Abraham Weintraub vem exibindo notável descaso com as boas práticas administrativas.
Também não faltaram erros de previsão no primeiro ano do governo Bolsonaro. Com o intuito de evitar escape da meta de déficit primário público, de R$ 139 bilhões, em 2019, o ministério da Economia passou o ano contingenciando recursos para, já no fim do exercício, abrir as comportas. Não terá faltado previsão melhor do ingresso de receitas?
Em reportagem no "Valor", o jornalista Fabio Graner anotou que os gastos com pessoal foram superestimados em cerca de R$ 12 bilhões, em 2019. Esse dinheiro, já destinado, equivalente a um terço do orçamento anual do Bolsa Família, acabou ficando parado. O problema colaborou, assim, não apenas para atrasar os pagamentos do benefício, mas também para formar uma fila de mais de um milhão de beneficiários do INSS em busca de seus direitos.
Sobre o Autor
Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.
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