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Restrita ao seguro-desemprego, MP 936 limita proteção aos trabalhadores

José Paulo Kupfer

02/04/2020 18h07

Tudo o que se faz para conter as consequência da pandemia da Covid-19 não pode ter ambição maior do que operar como redutor de danos. É assim com o isolamento social e a testagem em massa da presença do vírus na população. Diante das incertezas e da ausência de remédios eficazes contra a doença, estas são as formas conhecidas até aqui mais eficientes na contenção da infecção e das mortes por ela ocasionadas. Mas elas apenas mitigam o contágio e não objetivam eliminar seus riscos.

Entendida nesse contexto, a Medida Provisória 936, publicada na manhã desta quinta-feira (2), funciona como um redutor de danos. A medida provisória oferece uma rede de proteção a empresas e empregados, regulando reduções de jornada e suspensão de contratos de trabalho, em meio a um choque econômico de proporções inéditas. Na crise, empresas aliviam suas folhas de pagamento, enquanto empregados asseguram a manutenção de alguma renda e de seus postos de trabalho.

É um avanço em relação à MP 927, aquela que, no artigo 18, posteriormente revogado, permitia ao empregador suspender o contrato de trabalho do empregado por até quatro meses sem qualquer compensação ou proteção. Ainda assim, a nova medida provisória, está sofrendo críticas pesadas de especialistas.

A ideia de proteger trabalhadores do desemprego é correta, mas a MP, na visão, por exemplo, do economista Gabriel Ulyssea, é "mais uma política mal feita". Ulyssea, especialista em mercado de trabalho, hoje professor na Universidade de Oxford, no Reino Unidos, é doutor pela Universidade de Chicago.

Em sua conta no Twitter, o economista, um dos mais destacados da nova geração de profissionais brasileiros, considerou que o primeiro problema da MP 936 é determinar que a contribuição do governo para mitigar a perda de renda do trabalhador se dará com base no seguro-desemprego, e não no salário até então pago ao empregado. "O seguro-desemprego tem baixa taxa de reposição para quem ganha acima de 1,5 salário mínimo".

Os cálculos sobre a perda de renda para os empregados apontam para reduções acima de 60% do salário efetivo, em certos casos de salários mais altos. A perda depende do percentual de redução da jornada de trabalho e do valor do salário. 

O economista Bruno Carazza, professor do Insper e da Fundação Dom Cabral, calcula que, para um salário de R$ 2.213, que é a média brasileira, a perda ficará em menos de 10%, no caso de redução de 25% na jornada. Mas chegará a mais de 25% quando a redução de jornada for de 70%. Para salários de R$ 10 mil/mês, por exemplo, a perda poderá avançar a 60% da remuneração.

Ulyssea também aponta problemas nas regras de suspensão do contrato de trabalho por até dois meses. A MP, nesse ponto, determina que empresas inscritas no sistema tributário do Simples Nacional, com receita bruta até R$ 4,8 milhões por ano, ficam isentas de qualquer parcela do seguro-desemprego a que o trabalhador teria direito se fosse demitido, cabendo ao governo bancar a totalidade do seguro-desemprego. 

No caso de empresas de outros regimes tributários (lucro presumido ou lucro real), com receita bruta acima de R$ 4,8 milhões/ano, o empregador terá de arcar com até 30% da parcela do seguro-desemprego devido, se o empregado fosse demitido. A MP alivia a empresa, mas joga trata o empregado como desempregado, encaminhando-o ao seguro-desemprego.

Para a economista Monica de Bolle, pesquisadora do PIIE (Peterson Institute for International Economics) e professora da Universidade Johns Hopkins, em Washington, o governo parece continuar sem saber dimensionar a gravidade dos problemas que a pandemia ainda causará aos brasileiros, e se mantém na contramão da maioria dos países mundo afora. "Não é hora de falar em redução de salário", disse ela, em transmissão de vídeo pelo YouTube.

Segundo Monica, a precarização induzida pela medida provisória é um incentivo a que trabalhadores procurem complementar o que for possível da renda perdida. "Vai ter mais gente na rua tentando fazer bicos e se expondo mais ao risco do contágio", prevê ela.

A precarização dos trabalhadores, de acordo com raciocínio da economista, leva à precarização da própria empresa. Os dois lados da relação trabalhista, na opinião de Monica, sairão perdendo com a MP 936. Exatamente para evitar essa situação, nos demais países, o governo está bancando até 80% dos salários dos trabalhadores. O subsídio é transferido pelo governo às empresas desde que elas não demitam empregados.

O próprio governo estima que seus gastos com a medida provisória superarão R$ 50 bilhões (o equivalente a 0,7% do PIB) e evitaram a demissão de 12 milhões de pessoas. Se esse contingente de trabalhadores fosse demitido, a taxa de desemprego, hoje perto de 11,5% da força de trabalho, praticamente dobraria, passando de 20%.

Para salvar a economia, o governo teria de abrir mais as torneiras. Basta olhar o exemplo do que  outros países estão fazendo. E mirar no que o grupo das maiores economias do mundo, o G-20, acabou de indicar, quando decidiu coordenar a injeção de inéditos US$ 5 trilhões no combate à pandemia da Covid-19 no mundo.

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Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

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Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.


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