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Inexperiente atraído pela Bolsa foge do pregão e leva poupança a recordes

José Paulo Kupfer

08/04/2020 17h34

Nesses tempos de pandemia e de notícias estranhas, uma notícia estranha passou quase despercebida. Era a informação, divulgada pelo Banco Central nesta segunda-feira (6), segundo a qual, em março, os depósitos na poupança superaram as retiradas em R$ 12,2 bilhões.

Não era só o primeiro mês em 2020 com saldo positivo na caderneta. Era também o recorde absoluto de ingresso líquido de recursos na poupança em todos os meses de março desde que esse número é registrado, lá se vão 26 anos. O maior volume anterior, de março de 2013, nem chegou à metade do agora alcançado.

Mas o que tem de estanha nessa notícia? O fato de as pessoas estarem agora preferindo a caderneta, mesmo quando os depósitos de poupança rendem quase nada, e prometendo render menos ainda é, sem dúvida, aparentemente, bem estranho. 

Essa estranheza, na verdade, é mesmo só aparente. O que o movimento em direção à poupança revela é apenas a confirmação daquilo que o economista inglês John Maynard Keynes, talvez o maior de todos no século 20, tenha descrito melhor do que qualquer outro antes dele: a preferência pela liquidez.

Em termos bastante simplificados, a preferência pela liquidez descrita por Lord Keynes se impõe exatamente em momentos de crise econômica geral, como foi o da Grande Depressão de fins da década de 20 e seguintes, no século passado, e agora é com a pandemia de Covid-19. Nessas situações de grande estresse e colapsos econômicos, as pessoas preferem manter suas poupanças líquidas e em segurança, evitando risco de perdas ainda maiores em outros ativos, mesmo quando o rendimento dessas poupanças tende a ser nulo.

Como é altamente improvável que, em março, as pessoas tenham obtido novas rendas para aplicar na poupança, a hipótese mais aceitável é a de que o aumento das aplicações na caderneta se deu por trocas de posição entre ativos nos quais as pessoas investiam seus recursos. O dinheiro que foi para a poupança, resumindo, saiu de outras aplicações.

Temores de perdas ainda maiores devem ter carreado parte dos investimentos em renda fixa e fundos para a poupança. Mas, as transferências do mercado de ações, cujo primeiro dos muitos tombos do atual período ocorreu na quarta-feira de cinzas, 25 de março, quando o Ibovespa, principal índice da B3, despencou 7%, foi a mais encorpada.

Embora, de acordo com informações da própria B3, de 26 de fevereiro a 16 de março, pequenos investidores aplicaram em ações mais do que retiraram, as saídas, no caso desses investidores, somaram R$ 70 bilhões (ingressos foram de R$ 84,5 bilhões). Estrangeiros se desfizeram de R$ 260 bilhões e investidores institucionais, R$ 167 bilhões.

É de se imaginar o tamanho das perdas desses investidores individuais, boa parte pequenos, quando se observa que a fuga do mercado de ações, neste período, no conjunto, chegou a quase R$ 500 bilhões. O primeiro trimestre de 2020 foi o pior na história do mercado de ações brasileiro, registrando queda de 36,8%.

Na esteira da pandemia, a Bolsa brasileira tem sido a campeã mundial em perdas. No espaço de 60 dias, entre 24 de janeiro e 24 de março, o Ibovespa despencou do pico de quase 120 mil pontos para o vale de 63 mil pontos.

O movimento anterior à onda de vendas na Bolsa, um longo intervalo de altas acentuadas, continha a semente da fuga desabalada a que se assiste agora. De dezembro de 2018 a fevereiro de 2020, o número de investidores pessoas físicas na B3 mais do que dobrou, saltando de 813 mil para 1,9 milhão. Foram novos 1,1 milhão de investidores individuais nesse período.

Esse exército de novos investidores vinha sendo atraído para os pregões por uma combinação de baixa nos rendimentos de investimentos mais conservadores, em consequência dos sucessivos cortes nas taxas básicas de juros, e alta sequenciais nas cotações das ações. Uma parte considerável desse contingente, principalmente formado por investidores inexperientes nos meandros do mercado acionário, é que está retornando para a renda fixa e, em particular para a segurança e a liquidez, mas quase sem rendimento, da caderneta de poupança.

Foram da segurança total para o maior risco, talvez desavisados e sem medir bem as consequências. Agora retornam machucados e mais pobres para o ponto de partida.

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Sobre o Autor

Jornalista profissional desde 1967, foi repórter, redator e exerceu cargos de chefia, ao longo de uma carreira de mais de 50 anos, nas principais publicações de São Paulo e Rio de Janeiro. Eleito “Jornalista Econômico de 2015” pelo Conselho Regional de Economia de São Paulo/Ordem dos Economistas do Brasil, é graduado em economia pela FEA-USP e integra o Grupo de Conjuntura da Fipe-USP. É colunista de economia desde 1999, com passagens pelos jornais Gazeta Mercantil, Estado de S. Paulo e O Globo e sites NoMinimo, iG e Poder 360.

Sobre o Blog

Análises e contextualizações para entender o dia a dia da economia e das políticas econômicas, bem como seus impactos sobre o cotidiano das pessoas, sempre com um olhar independente, social e crítico. Finanças pessoais e outros temas de interesse geral fazem parte do pacote.


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